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Um Disco Para Dias Nublados: Cícero – Canções de Apartamento

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Álbum: Canções de Apartamento

Artista: Cícero

Lançamento: 22/06/2011

Selo: Independente

Ouça: Facebook

Rockometro: 9/10

É difícil não associar o trabalho de Cícero à sua ex-banda, a Alice. Até porque quem escutou o Anteluz e o histórico Ruído, conhece bem aquela voz sofrida que se sobrepunha as 3 guitarras que a Alice se desafiava a criar e reger. Porém, o hiato sonoro entre Ruído (2007) e Canções de Apartamento, seu primeiro disco solo, cultivou certa curiosidade sobre qual destino se focaria o talento de Cícero Lins.

Ao cortar seu sobrenome, Cícero também lapidou os ruídos de guitarras e passou a andar mais solto, acompanhado apenas de seu violão e utilizando do suporte de Paulo Marinho (bateria) e Bruno Schulz (acordeon/piano/coro), para 3 anos após o fim da Alice e dezenas de discotecagens na noite carioca depois, lançar suas canções de apartamento ao mundo e novamente se sentir na correria de uma banda independente e sofrer para saber a opinião das pessoas e da imprensa sobre seu novo filho.

Climático, o disco é feito para se ouvir com atenção, deixando ecoar no ouvido e virar docemente a trilha sonora do seu dia. É brilhante. Uma viagem ao interior de uma mente que parece expressar-se perfeitamente em letras sentimentais, melodias densas e vocal tristonho. Por vezes, soa como as cantigas melosas de Milton Nascimento, a sensibilidade triste de Rodrigo Amarante e até como a pseudo-rockeiragem de Caetano Veloso. Ao mesmo tempo, você sente pulsar aquele timbre, passagem ou composição que a Alice usou para conquistar fãs até hoje.

Ouvindo o disco, você sente que está dentro de um apartamento, onde a bateria ecoa e a voz sobressai de maneira independente da música. Em “Cecília e os Balões”, o tracejado do violão, o barulho de fundo e pequenos detalhes deixam a música mais real, como se Cícero tocasse ao seu lado e o convidasse para dividir os vocais e suas angústias. “João e o Pé de feijão” carrega uma surpreendente e explícita semelhança com “O Último Dia”, de Paulinho Moska, como se fosse uma versão ainda mais sofrida e experimental daquela música escrita para uma série global.

A abertura do disco, “Tempo de Pipa”, é talvez a canção mais perseverante e a que menos se encaixa com a tristeza incrustada no restante do álbum, mesmo assim é maravilhosa. Talvez, a melhor junto com “Ensaio Sobre Ela”. Canção com um acordeon doce em companhia de um violão bossa-nova, um dedilhado simples na guitarra e bateria baseada num samba de fim de tarde. Das letras, simples palavras que usadas com certo sentimento, traduziram a beleza e por vezes a ironia que Cícero quer mostrar. “Açúcar ou Adoçante” é, junto com seu nome, a provável melhor amostra desse denso repertório de palavras tristonhas e realísticas. “Laia Laia” e “Ponto Cego” sepultam a sua incerteza sobre a beleza de Canções de Apartamento.

Por vezes o silêncio faz bem: aguça a curiosidade e surpreende na volta. Utilizando desses simples pontos é que Cícero compôs a nova trilha sonora dos dias nublados, o som da dúvida em um relacionamento, o ruído e o silêncio do seu apartamento e as canções para voltar para casa. É inverno. Sinta-se completo. Sinta-se entendido.

38 COMENTÁRIOS

  1. O disco do ano!
    Ouvi o disco o feriadão inteiro e não canso de dizer que é uma das coisas mais bonitas que saíram nos últimos tempos. E independente. Vai entender…

  2. Lindo, lindo, lindo, lindo, lindo…

    ai, ai…

    Clarisse, o disco físico? também não sei, fui no perfil dele no Facebook e não tem nada sobre o disco, só tem os links para uns blogs que resenharam o disco e dois vídeos (também lindos, por sinal).

    Pra baixar: http://www.cicero.net.br e no facebook.com/cancoes.de.apartamento

    Adorei a matéria!!!

  3. Pela imagem da arte, deverá ser lançado em cd, modelo SMD. Agora só não sei afirmar se já saiu ou sairá.

  4. Eu ouvi o disco e li as entrevistas no scream and yell, e o fato é que acredito que o trabalho artístico de verdade não precisa de explicações posteriores para se fazer entender, o artista pode até querer dar orientações sobre suas intenções em entrevistas como essas mas isso em nenhum momento significa que ele necessariamente atingiu os objetivos que almejava, então no momento que for analisar obras de arte recomendo que você se atenha mais no objeto de estudo e não na cartilha de intenções que o autor te entrega. O Cícero fala que as canções do apartamento são a forma como todo mundo lida com a solidão, e no caso seria uma cartilha também para combater a nossa tão discutida vida moderna paranóica e de relações efêmeras. O problema é que se a visão de mundo dele for realmente essa que se apresenta no decorrer do disco (visão de mundo essa que se instaurou no imaginário coletivo através da publicidade cretina e meios de comunicação como a cartilha seguida indiscutivelmente pela juventude atual) acredito que o eu-lírico da obra é quem precisa de um analista e não a garota da canção “Açúcar e Adoçante”, que ele convida para sua casa mesmo depois do relacionamento fracassado, tomando todos os cuidados para podar os defeitos que a incomodavam no passado e sendo aparentemente mal sucedido na sua reconciliação para depois seguir seu caminho e projetar todos as suas esperanças e exigências em outra pessoa rumo a outro relacionamento fracassado, final digno de filmes vazios como 500 Days of Summer, filmes consumidos pelos inquilinos desses apartamentos hipotéticos propostos pelo título da obra mas que são representados na vida real pelos consumidores descolados das noites cariocas que ironicamente também são as pessoas efêmeras de quem ele aparentemente se queixa por serem um dos motivos da sua solidão, as mesmas pessoas que ele entretem nas discotecagens da Yellow Submarine, é, vai ver eu que não tenho sensibilidade suficiente pra compreender a geração pós-moderna que adora uma ironia. Sensibilidade parece ser outro problema dessa geração, que já acostumada com a coroação da mediocridade que se deu após a Semana de 22 (quando erroneamente se interpretou que qualquer Zé-Ruela que não aprendia nem a versificar pra começo de conversa poderia se tornar um poeta laureado), também se acostumou a interpretar qualquer poesia de blog adolescente ou de estudante universitário cheio de aspirações e conceitos e nenhuma faísca de genialidade artística como um exemplo de excelência poética. Esse é a única explicação que enxergo pra interpretarem essas letras medíocres e mundanas como obras de um grande poeta. Eu não as chamaria nem de criativas, já que até seus momentos de “lirismo” (elefantes brancos/vagalumes cegos/e o céu engarrafado; o coração só precisa de ar; ainda não fazem pessoas de algodão/ ainda não fazem pessoas que enxuguem suas próprias mágoas; eu nem vi quando você espetou sua casa aqui etc…) são tristemente forçosos e sem vida, não criam nenhuma tensão com a narrativa (quando há) que vinha se desenvolvendo até ali ou com a música e consequentemente com o ouvinte. Pode-se ouvir o disco inteiro sem prestar atenção nas letras e a experiência não será diferente, elas não carregam nada verdadeiro, nada surpreendente está escondido ali e que só é revelado com o esforço do ouvinte. Não digo que não vão existir pessoas que se identifiquem, quem consome esse tipo de estética anedótica e oca tem um prato cheio aqui para carregar como trilha sonora fofa e reconfortante, tem os arranjos de sanfona Beirut, as guitarras e estética do silêncio derivativa de Radiohead ou João Gilberto reprocessado por Los Hermanos (derivativa pois não passa de imitação de conceitos, não houve nenhum esforço de apreensão de alguma idéia do que há de arte real nesses trabalhos, apenas a colagem sonora que estimula a memória afetiva do ouvinte e nada mais além disso, até as referências a Caetano e Tom Jobim são feitas apenas para desencadear esse efeito). Você se sente completo e entendido se abraça essa estética publicitária com corpo e alma (quer efeito publicitário melhor que no mundo da paranóia e informação criar um ambiente fajuto de refúgio da civilização, representado pelo aconchego do seu apartamento com seus livros, discos e amigos do coração, enfim, a trilha sonora perfeita praquele domingo de ressaca depois da balada dos ritmos globais e libidinosos do mundo moderno, depois que você fica com aquela crise de consciência porque sabe que sua vida é falsa e vazia não importa quantos contatos na alta sociedade cultural e intelectual, quantas amostras de cinema, noites no teatro ou obras completas de autores do momento você consuma? Vale lembrar que quando Rodrix e Tavito escreveram Casa no Campo, a fuga era de uma realidade da ditadura objetivamente opressora e destrutiva, e não de um fim de expediente estressante na firma, mas importância histórica ou relação com acontecimentos históricos também não devem guiar a avaliação de obras de arte). O fato é que quando o trabalho artístico está ancorado numa verdade sublime, quando ele permite que a luz reflita o que há de mais belo na existência humana ao ser iluminado, ele não precisa de artifícios publicitários e referências históricas de bom gosto para mascarar toda a falta de beleza que existe ali, não precisa se cobrir de partes costuradas de obras de arte de verdade pra tentar causar essa reflexão. É assim com o Animal Collective, que também gravam as músicas em casas, apartamentos e dormitórios de universidades e não precisam vestir essa máscara na capa do disco para se fingir relevante, não precisam da mão de produtor famoso X ou Y na mixagem para dar valor a suas obras, elas já são cristalinas e belas por si só, por revelarem assim como Milton Nascimento revela, a grande verdade sublime que diz tudo sobre o passado, presente e futuro da humanidade, a única verdade que sempre esteve e sempre vai estar lá, muito acima do mundo das satisfações imediatas mundanas e das cantigas melosas e piegas de “apartamentos”.

  5. Só vou dar uma única informação para quebrar todo o seu texto, Gabriel: Essa minha resenha foi escrita exatamente 1 dia após o lançamento do cd, antes da entrevista do Scream & Yell e de outras matérias, na verdade, essa foi a segunda a entrar na rede, sendo a primeira uma única nota que apontava que sairia um disco.
    Logo, esse texto que é seu objeto de discussão é a cartilha que você está citando em diversas partes do seu comentário.
    Sobre o restante, é opinião própria. Não me cabe responder e nem argumentar, muito menos concordar.

  6. Comentei justamente da entrevista porque foi isso que você cobrou de mim antes, pra começo de conversa, uma pesquisa básica que me faria entender a estética do apartamento. Eu cito isso logo no início justamente para retirar esse mito de que é necessário todo esse trabalho de pesquisa fora da obra para entendê-la de verdade. E se você realmente leu o texto, vai ver que meu objeto de discussão não é a entrevista e sim o disco, as letras, as músicas, todo o conceito por trás dele (que já é errado por precisar de um conceito) e da perpetuação de uma trilha sonora do afeto e da sensibilidade publicitária que assola a arte contemporânea (esse disco incluso). E não se trata de quebrar o texto ou argumento de alguém, isso não passa de masturbação acadêmica. Se trata de compreender o que é real e o que é falso, forjado, propaganda de marketing.

  7. Certo, então você corrobora que eu consegui entender o que o disco passa sem precisar procurar em outras fontes, somente ouvindo? Mas você. no outro comentário não disse que achava o disco ‘falso’ porque tínhamos que ler uma cartilha para entender o que ele quer dizer? Bem, isso já é sobre o álbum e opiniões alheias eu não discuto, assim como dizer que ter um conceito é errado.

  8. Não disse que o disco é falso porque precisamos ler uma cartilha em algum lugar, ouçam o disco com atenção pra perceber.

  9. Já tinha rolado essa comparação nos bastidores e realmente… O fraseado inicial base é o mesmo, nem é semelhante, mas sim o mesmo. Mas a música em si não tem nada haver.

  10. Depois de ouvir inúmeras vezes eu realmente estou pasmo com o grande talento desse rapaz.

    Quero mais coisas assim na nossa música brasileira.

  11. Já é unânime. Esse garoto é gênio.
    Fez um disco despretensioso. 100% independente. Sem selo, sem produtora, sem gravadora, caseiro, divulgou numa página com menos de 100 pessoas no Facebook e sem nenhum aparato de mídia virou a nova sensação da internet com UM DISCO INTEIRO.

    Não foi com um clipe fofinho. Não foi com uma música grudenta.

    Foi com um disco inteiro que foi lançado há 1 mês e já chegou no país inteiro com as próprias pernas.

    Se isso não é a mais sincera forma de comuniação entre artista e público, o que é?

    Agora nos resta esperar e ver o que a grande mídia vai fazer.

    Se é que vai fazer algo…

  12. Acho que “João e o Pé de Feijão” está mais para “You Don’t Know Me” do Caetano Veloso do que qualquer outra coisa.

  13. Cecília & os Balões – Lago dos Cisnes
    João & o Pé de feijão – You don’t know me
    Pelo interfone – Dindi
    Laiá Laiá – Braguinha

    É um disco de citações, Helena, desde a capa…

    Ele falou de You don’t know me na entrevista que deu pro Musicoteca, é uma continuação. Caetano fez essa música no exílio, a música fala de distância e solidão. João & o pé de feijão faz essa analogia.

    Só que não é tão óbvia quanto em Pelo Interfone (embora ele fale em discutir Caetano duas músicas antes…)

  14. Mas o refrão de João e o Pé de feijão é MUITO último dia do Moska… isso é!

  15. “Acho que “João e o Pé de Feijão” está mais para “You Don’t Know Me” do Caetano Veloso do que qualquer outra coisa.” Fato. A base musical é a mesma.
    Não faço deste comentário uma crítica, mas uma observação. Comecei a ouvir Cícero hoje e estou encantada, apaixonada. É de uma genialidade…

  16. O disco é um resgate do idílio, do romance e do sonho perdidos. Coisas tão minhas, mas que eu nem lembrava mais que eram minhas, pois andavam obscurecidos pelos gases lacrimogênios da metrópole malvada.

  17. O começo de “Vagalumes Cegos” também lembra muito o começo de “Baby”. Também acho que “João e o Pé de Feijão” está mais para “You Don’t Know Me”. De qualquer forma O álbum é maravilhoso, muito lindo. Não canso de ouvir!

  18. “É só rodopiar em busca do que é belo e vulgar”, entendeu, Mateus? As letras são um pouquinho menos emocionantes que o instrumental mesmo, e tem uns lirismos meio forçados, concordo, mas é o primeio álbum dele, né? Quem sabe o que vem pela frente? De resto é tudo lindo.
    Aliás, densidade é algo muito discutível e desde quando o artista é obrigado a ter pé no chão, sem poder fugir da realidade? Desde quando as pessoas são obrigadas a ter pé no chão, sem poder fugir da realidade? (Coisa que é bem diferente de não pensar e de aceitar as publicidades da vida).
    São músicas sentimentais e leves e muito boas, fim.

  19. Em relação ao comentário exageradamente crítico contra tudo e todos do Mateus, cabe fazer um alerta. Acho que ele não percebeu que o rapaz compôs, produziu, gravou e veiculou, sozinho, seu primeiro álbum. Não fosse o bastante, ofereceu ao público de graça, sem gravadora, sem selos, sem cobrar pelo download. Se você, ainda assim, consegue ver publicidade e marketing baratos por trás disso, procure um analista para ver a possibilidade de uma depressão ou comportamento antisocial. Sério, não há coerência em alguém que quer se valer de subterfúgios baratos de marketing em oferecer, de graça, justamente o produto cuja compra a publicidade fajuta fomentaria. O problema é que tem gente que se apega a determinada cultura de uma época e acha que só aquilo é bom, que não se fazem mais músicas como antigamente (como se o antigamente fosse um padrão de excelência a ser seguido). Aprecio demais músicas antigas também e de vários gêneros completamente variados (de Sinatra a Novos Baianos), mas nem por isso deixo de ter a mente aberta para outros estilos. Isso que tanto o desagradou no rapaz parece ser uma implicância exagerada com o jeito descuidado e descompromissado com o qual ele fez tudo, deixando fluir seus pensamentos e seus gostos musicais sem se preocupar com o que diriam dessa ou daquela referência, se teria ficado bem ou mal feita. E quer saber? Agindo assim, ele é mais genuíno do que muito cantorzinho ou artista que é “montado” pela mídia para necessariamente conquistar a platéia. Afinal, quem disse que perfeccionismo é sinônimo de talento e de emoção? Creio que a grande idéia dos autores por trás das músicas, poemas e afins é compartilhar um pouquinho de sua visão de mundo conosco e, com sorte, nos levar a uma reflexão, emoção, nostalgia etc. E a música de Cícero faz isso muito bem. Se, do ponto de vista técnico, ele não vai bem, isto já outra seara – que, aliás, não compete a mim julgar, já que não disponho de competência técnica para tanto. Como mera curiosa, limito-me a dizer que a parte instrumental é perfeitinha, redondinha, mas que o rapaz poderia trabalhar mais sua capacidade vocal, já que parece sem fôlego algumas vezes. O complicado em sua crítica é que você não julga a técnica, mas sim a parte emotiva do trabalho dele – o que não é passível de julgamento, porque sujeita-se tão apenas às particularidades dos gostos musicais de cada um. Ora, se te agrada ou não, legal. Agora, querer “maquiar” o seu “não gostar” do trabalho do moço com esse pó de arroz passado da validade, no sentido de que ele se vale de golpe publicitário, imita outros cantores, faz referências forçadas e tudo mais é que é forçar a barra, de fato. Já te ocorreu que o rapaz possa, realmente, inspirar-se nas referências musicais que lhe agradam e, simplesmente não se preocupando em se policiar para sair tudo “perfeito”, foi lá e gravou com tudo isso aparente, do jeito que lhe vinha à cabeça? Também sou grande apreciadora e ouvinte de músicas antiquíissimas, inclusive de refências citadas por ele, e consegui visualizar a homenagem despretenciosa que ele quis prestar.

  20. João e o Pé de feijão não parece mais com you don't know me do caetano, não?

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