Sofia Freire e sua capacidade de reinvenção

A juventude é o fôlego e o gás de Sofia Freire. A cantora vem se apresentando como um nome forte e interessante, dentro do cenário musical.

Sua sensibilidade e delicadeza não soa como fragilidade, está muito distante disso. Há uma força e uma determinação em sua voz, no pianos, nos elementos eletrônicos e na escolha de quais poesias (seja do pai, da irmã, de outras poetas, ou amigos) irá musicar. Esse fato mostra a capacidade de Sofia de se conecta a arte de outros, indo sempre em direção aquele que a escuta.

Prestes a lançar Romã, seu segundo disco, ela apresentou “1H00 (Ou a Boca Se Cala)” nos últimos dias. Dando uma dica do que vem por aí.

Sofia Freire – 1H00 (Ou a Boca Se Cala)

Batemos um papo com Sofia Freire que nos contou um pouco sobre seu trajeto até aqui (e a data de lançamento do disco), como foi viver a experiência de ganhar o patrocínio da Natura Musical por voto popular, suas principais questões para pensar no novo trabalho e a importância do trabalho coletivo volta para a visibilidade da mulher na música. A entrevista você confere aqui embaixo:

Você está construindo um novo álbum depois de dois anos. Em que medida (e como) esse tempo, de um álbum a outro, mudou sua forma de compor, de fazer música?

Em dois anos muita coisa acontece, principalmente quando você está explorando um álbum que foi tão significativo, pessoalmente. Porque o Garimpo foi o primeiro tiro, porque nunca havia me exposto dessa maneira (botar uma arte sua no mundo é tirar de si mesmo uma grande parte de quem você é e jogá-la como quem, despido, diz “vai!”), porque ele englobou 3 anos de uma época muito importante na vida de qualquer pessoa, dos 15 aos meus 18 anos, onde minha identidade estava se firmando, pessoalmente e artisticamente. Então o Garimpo foi feito a partir de muitas experimentações, eu estava em busca de uma identidade sonora, tudo foi feito com calma e naturalidade e lancei naquela “ok, agora vamos ver no que dá”. E para minha surpresa, deu em bastante coisa! Ele me levou a muitos lugares e pessoas, onde e com quem pude trocar experiências e explorar minha performance ao vivo, o que mudou significativamente a minha maneira de enxergar a música em si, na minha mente e no meu corpo, logo, na minha maneira de compor também. Tudo o que houve nesses dois anos me fizeram ter mais consciência de mim, meu som, do mundo e talvez seja essa a grande diferença entre o fazer de um disco para o outro. Eu vejo assim: eu dou algo pro mundo, ele vai responder de alguma maneira. Com essas respostas, faço novas coisas, dou ao mundo novamente e ele vai me responder de alguma maneira. Nem sou mais tão estranha a mim mesma e continuo buscando espaços, mas numa Sofia mais consciente. Me parece que tudo, agora, tem mais propósito, sabe?

Ganhar patrocínio do Natura Musical, por voto popular, é de encher o peito de orgulho. Isso mostra que Garimpo chegou na galera e todo mundo quis ouvir mais do seu trabalho. Como tem sido, diante desse fato, gravar o Romã?

Foi engraçado, na verdade! Primeiro que eu não esperava nem ser selecionada, as pessoas sempre receberam o meu som com uma certa estranheza (não que eu ache isso ruim) então foi uma grande surpresa. Foi bonito ver amigos, familiares e desconhecidos se mobilizando. Desde que comecei a gravar, percebi uma expectativa gostosa das pessoas para ouvir o disco, então fiz questão de compartilhar mais todo o processo nas redes (felizmente tenho uma comunicação muito legal com meus seguidores), o que percebi que tem deixado o pessoal curioso e isso tem sido massa.

O segundo disco vem com uma pegada mais surrealista?

Ele com certeza está mais eletrônico apesar do piano estar mais presente (até transportei o meu próprio de Recife até Olinda, onde fica o estúdio, pois queria aquele timbre específico). Também experimentei outras maneiras de abrir as vozes, modificando minha voz de certa forma que em alguns momentos você pode perceber vozes muito graves ou muito agudas, picotei minha voz e a transformei num pad e há músicas em que viajei nos momentos instrumentais. Então sonoramente, talvez ele esteja mais surreal, sim. Já as letras, a mensagem do disco, foram para um caminho contrário.

A escolha de “1H00 (Ou a Boca Se Cala)” como single foi por representar bem o restante do disco, certo? Você mesma disse que “O silêncio me diz coisas sobre mim e sobre meu lugar no mundo que apenas eu posso entender, é muito pessoal”, essa presença do silêncio e do íntimo é algo recorrente no restante do disco?

É, sim. Na verdade o disco narra a história de uma viagem ao íntimo de alguém e o silêncio é importantíssimo nessa jornada.


No Garimpo você usou poesias do seu pai, da sua irmã e de amigos e foi musicando. Em Romã você segue esse caminho ou também tem composições suas?

O Romã são 9 poemas de 5 autoras diferentes: Clarice Freire (minha irmã, que insclusive foi quem escreveu 1h00 [ou A Boca Se Cala]), Micheliny Verunschk, Piera Schnaider, Luna Vitrolira e Mariana Teixeira. Gosto de dizer que as poesias delas são como espelhos. E o fato de serem mulheres apenas enfatiza como me sinto representada pelos seus textos. Quero que outras se identifiquem também. A representatividade foi muito importante para mim. Esse mote dá significado ao título do álbum, Romã: a romã tem um simbolismo muito forte em relação às mulheres, pelo seu grande número de sementes que remetem à fertilidade e ao renascimento. O disco fala sobre um processo de renascimento através da capacidade que a narradora encontra de ser fértil no sentido de fecundar a si mesma em determinado momento para que possa nascer novamente e o mais importante: parindo a si mesma, para em milhares se multiplicar. Como a romã que nasce a partir da autofecundação, bastando-se e carregando todas aquelas sementes prestes a se multiplicarem em outras romãs, como essas mulheres (e tantas outras) fizeram comigo.

O disco já tem data de lançamento?

26/10 estará em todas as plataformas digitais.

Recentemente você participou do Sonora, em Recife. Como você enxergar a importância desse tipo de inciativa? E como fazer parte desse trabalho afeta você enquanto artista?

Sim, não apenas em Recife mas em abril fiz o Drops Sonora nas cidades de São Paulo e São Carlos junto com a Labaq e Bruna Mendez, duas mulheres que admiro muito e por quem nutri um carinho muito especial, foi lindo. Participei da primeira edição do Sonora Recife em 2016 e esse ano toquei no evento com uma participação de Flaira Ferro, outra queridona cujos desencontros da vida impossibilitaram nossa junção, mas que o Sonora uniu. Também tive a oportunidade de assistir aos Sonoras em Olinda e em Camaragibe (histórico!). Tem sido importantíssimo e enriquecedor para e mim e posso dizer que para outras, porque nossa própria arte não é feita apenas de nós mesmas, ela nasce a partir das trocas também, do coletivo. E trocar especialmente com mulheres, conversando, tocando e compondo juntas, já é significativo demais, porque a união fortalece e é mais do que necessário se fortalecer quando estamos todas numa sociedade machista que gera cenas e ambientes dominada por homens que descriminam, agridem, abusam, duvidam, hostilizam. Vivemos tempos sombrios e se unir é combater o que tem nos silenciado por tanto tempo, isso é necessário em qualquer ambiente, não só na música. O Sonora me fortaleceu como mulher e como artista, porque me levou à mulheres incríveis que me ensinam sobre música e sobre a vida e assim vamos somando nas artes umas das outras.