Sem cair no esquecimento (Pixies / Trompe le Monde)

Em tempos internéticos onde a banda mais visitada no myspace no Brasil é uma que se chama Cine e o mais esperado filme do ano é um amontoado de efeitos especiais sem um roteiro decente, é sempre bom dar uma olhada para alguns anos atrás. Lugares que sabidamente evocam a necessidade de se conhecer o sempre novo velho, pelo puro simples ato de manter a sua cabeça em ordem.
E dentro de uma dessas criptas sagradas, é que se encontra o estertor final dos PIXIES, o disco que ficou conhecido apenas como o último, mas na verdade foi a pedra filosofal de onde nasceu quase tudo o que se viu um termos de música independente que o mundo assistiu depois.

TROMPE LE MONDE é de 1991. Nesse ano os filhos de Massachusetts já haviam sido opening act da turnê do U2, lançado o seminal Doolittle e se consolidado como uma das mais barulhentas e sensacionais bandas de seu tempo. As letras sobre alienígenas, religião, doenças mentais e incesto já eram as marcas consagradas, assim como as melodias pesadas e grudentas que os Pixies produziam, que eram exaustivamente copiadas por quase todos os músicos iniciantes dos anos 90 (leia-se aí bandas grunge ou indies).
Não é de graça que “Smells Like Teen Spirit” do Nirvana é segundo o próprio Cobain, uma tentativa quase que desesperada de fazer algo do calibre dos Pixies.
Mas no mesmo ano de 1991, a banda já não era a mesma no quesito entrosamento. Black Francis, Kim Deal, Joey Santiago e Dave Lovering mostravam sinais de que nem mais um hit como “Here´s Comes Your Man” salvaria a relação que quase sempre foi conturbada entre a porra louquice de Deal e a sistemática de Francis.

Mas como todo bom gigante abatido dentro do campo de batalha, a banda em um movimento de picardia barulhenta lançou o disco que marcaria o fim de uma era dentro da música. E a importância de Trompe Le Monde é muito menos pelo seu sucesso e muito mais pela história.
O início da década de 90 ainda era terreno por onde andavam falsos deuses roqueiros fantasiados com permanentes encaracolados nas cabeças e lápis de olhos marcando um rosto mais do que parecido com qualquer boneca Barbie. Terreno arenoso e movediço onde apenas alguns poucos ousavam desafiar. Os Pixies já estavam mais do que avançados no terreno inimigo.

Obrigatório lembrar que nesses tempos onde o rock estava ameaçado de virar um dinossauro manequim, a má vontade com as bandas maquiadas já estava em fase de repúdio. E uma onda de mudança devastaria a música em poucos meses. Os tempos eram de olho de furacão e o barulho que viria depois nunca mais deixaria as notas pelo meio do caminho. Mas antes da explosão do grunge com as bandas de Seatlle e o Nirvana, as bandas indie já rasgavam o útero podre do rock.

A cabeça do monstro parido pelas arredias veias de seis cordas tem seus genes cravados todos em Trompe Le Monde.
O título do que muitos consideram o primeiro trabalho solo de Black, veio de uma possível expressão francesa que significa “engane o mundo”. E suspeitas de que o último disco dos Pixies marcava o início da carreira solo de seu fundador foram ainda mais evidenciadas depois que Francis, em seus dois primeiros álbuns solo deixou clara a vocação de ficção científica que em Trompe escorria pelos poros. Outra evidência nítida de rompimento dentro do quarteto era a quase zero participação de Kim Deal nos vocais seguido bem de perto com o fato de que apenas uma música não era de autoria de Francis Black: uma cover de Jesus And Mary Chain.

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“TROMPE LE MONDE”, que abre o suspiro final dos Pixies já tem distorção de sobra para pelo menos mais dois discos. Os vocais em quase falsete dessa canção com fraseados intensos de bateria e guitarras derretidas, mostram o resumo de um minuto e quarenta e seis segundos, do que a banda foi dentro da história do rock. Rápida e ponto final, apenas apara as arestas da pancadaria que começaria já nas primeiras notas de “PLANET SOUND”.

E é nessa canção que os seres reptilianos de outras dimensões começam a dar as caras no disco. A estória de um alienígena que desce em nosso planeta é como uma perseguição entre dois caças interestelares com direito a artilharia pesada de Kim Deal mostrando um peso tal em seus dedos, que muitas vezes é tenebrosa a sensação de que em qualquer momento o baixo vai sair pelas caixas de som e decapitar sua cabeça sem piedade.
A melodia mais doce (do modo Pixies de fazer canções pop) de “ALEC EIFFEL”, não se esconde atrás dos sorrisos de quem ouve a canção pela primeira vez. É sim uma aula de como se faz rock para dançar. Com a clara influência na melodia dos Ramones, essa música se fosse lançada hoje em qualquer banda considerada “muderninha” seria considerada a canção do ano.
Melodia pegajosa? Confere.
Teclados esquisitos? Confere.
Distorção no refrão? Confere.
Rock para dançar em pistas? Confere.
Muito antes dos Strokes e dos Arctic Monkeys, os Pixies já tinham escrito a cartilha do que seria hoje considerado indie.

“THE SAD PUNK” até que engana no início, porque a introdução da bateria lembra muito as músicas das bandas de space-rock. Mas é apenas uma questão de milésimos de segundos até que seu cerebelo seja submetido à uma pancadaria que despenca em gritos alucinados. Uma das maestrias dos Pixies sempre foi fazer canções onde quem ouvia era deslocado por quilômetros e não mais que de repente estacionado em uma calmaria nervosa. E essa música é assim.

Atropelamento de trem seguido de afagos maternos embalados em canção de ninar de terror.

Se Surfer Rosa é fundamental para se entender o que foi o rock dos anos 90,” HEAD ON” do Jesus And Mary Chain gravada pelos Pixies é pedra fundamental para quem quiser ter uma banda que queira gravar uma cover. Suja, rápida e completamente diferente da original é força propulsora para que a audição do disco se torne uma esperiência sedimentada em bases de riffs explosivos. Por mais apelo pop que os Pixies tenham colocado dentro dessa cover, a guitarra estridente e o desespero colocado por Francis nos vocais elevam o jogo à um patamar pouco alcançável por muitas bandas que se metem a fazer uma canção assim.
Muito mais original do que qualquer bandacine por aí……..
Quando você escuta “U-MASS” uma sensação de já ouvi isso antes abala um pouco a confiabilidade do disco. Mas quando você lembra o ano de lançamento da bolacha essa sensação é de que alguém depois dos Pixies já fez um riff exatamente igual ao deles. E essa impressão não é falsa. EMF com “Unbelivable” e Modest Mouse com “Float On”, são “chupadas” dessa faixa dos Pixies. O riff grudento feito para embalar a letra sarcástica sobre a juventude universitária americana (público dos Pixies) e um refrão explosivo na medida certa para gastar a faringe de tanto cantar (“”It´s educationallllllllll!!!!!!!!!””) mostram com quantas notas se faz uma canção imortal.

A quase dobradinha “PALACE OF THE BRINE / LETTER TO MEMPHIS“, funcionam como uma canção só. A primeira com direito a mais um refrão duplicado pela beleza dos vocais de Kim, faz uma introdução mais tranquila para a pancadaria lisérgica que vem com “Letter To Memphis”. Uma canção mais puxada para o hard-rock do que para o independente, mas com uma parede de tijolos atirada em sua cabeça através das distorções produzidas por Santiago. É como sentir a vibração de um esmeril pulsando a milhões de rotações em seu ouvido.

“BIRD DREAM OF THE OLYMPUS MONS”, é propositalmente vagarosa. Mais uma vez a britadeira Kim Deal marca a força da distorção que segue aos vocais quase messiânicos de Francis. Os teclados são apenas uma nuance que envolve uma poeira cósmica de destroços melancólicos dessa canção.

Mais espaço e uma nova camada de aliens em “SPACE (I BELIEVE IN)”. O mais bacana dessa canção nem é falar sobre como a construção perfeita dela em camadas diferentes que colidem em um mosaico de pólvora. Mas sim prestar atenção ao detalhe da genética mãe do que foi feito alguns anos depois por uma outra banda fantástica que se chama Faith No More. A bateria e a percussão tem uma levada funkyadélica presente nas melhores faixas da banda de Patton. E a construção de vocais principais e backings vocals guturais ao fundo estão presentes por exemplo em “A Small Victory” do aclamado Angel Dust. Nesse momento já é possível ver a cabeça do monstro quase que inteiramente fora da abertura cesariana.

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A primeira nota da bateria de “SUBBACULTCHA“, os Raimundos reproduziram anos depois em “I Saw You Saying”, mas as comparações acabam nessa nota.
Porque logo após esse começo mórbido e a sequência de esfriar a espinha da primeira parte da música, o riff autista e a serra elétrica de seis cordas que a acompanha pesam como lava petrificada transformada em rocha a cada virada de bateria. Hipnótica e falada é talvez a melhor música do disco, com uma melodia estraçalhada e pulsante.

“DISTANCE EQUALS TIMES TIME”, é assimétrica. Gritada e cantada em partes iguais tem a medida certa e o tempo certo. E precisa de mais alguma coisa???????

“LOVELY DAY” é a visão sessão da tarde dos Pixies. Tem a levada punk da banda , mas sem perder a ternura mórbida. Irmã separada ao nascer de “Head On”, com ecos de surf rock. Lado B de primeira linha em qualquer EP que se preze.
Definir “MOTORWAY TO ROSWELL” é uma tarefa absolutamente ingrata. Seja pela guitarra zunindo em seus ouvidos médios ou pelo piano com nuances de cabaret misturado com a qualidade épica dessa canção. Ela vai começando aos poucos e se tornando um ciclo cheio de sensações melodicamente confusas e deturpadas, até implodir novamente no piano. Como se fosse possível presenciar uma ataque epilético seguido de um sono profundo em forma de notas musicais.

“THE NAVAJO KNOWS” é um ato final com os pés inteiramente sedimentados nos anos 80. A fluência dançante dessa canção é tudo aquilo que o Franz Ferdinand conseguiu fazer depois. Sonoridade macabra com guitarras novamente em ritmo de surf. É abafada e mínima como se a banda estivesse realmente ali mostrando o fim do tunel depois da luz.

Trompe le Monde é considerado pelos “entendidos”, como o pior disco dos Pixies. Todo mundo torceu o nariz pois não era clássico como Doolittle nem seminal como Surfer Rosa.
Na verdade se o disco de estréia da banda mostrou o que fazer nos anos 90, o disco final dos Pixies fez nascer de vez uma geração de caras com camisas de flanela e calças jeans rasgadas e ainda por cima deu toda a carga genética para que o rock indie dos anos 2000 pudesse trilhar o caminho sem ter que tropeçar nas pedras.

Uma banda clássica não tem discos ruins ou melhores, ela tem discos que escrevem a história. E os Pixies tem quatro.
E Trompe Le Monde é um desses pilares………

Tudo isso poderá ser conferido no megafestival SWU, no dia 11. A banda é uma das atrações principais do evento que será realizado na Fazenda Maeda em Itu. Festival aliás que está sendo um dos responsáveis pelo maior segundo semestre com shows internacionais que já aconteceram na história.