… é impossível não lembrar do “Trem da Alegria”, mas pegar um trem para a estação do Vanguart deve ser o verdadeiro significado da expressão mineira “ô trem bão!”. E nessa estação que eu, um carioca em terras desconhecidas, desci para ver a trupe de Hélio Flanders descarregar seus sucessos folk para os indies de plantão em uma noite chuvosa, mas plenamente coberta no palco montado na Estação Santa Inês do simpático metrô (na superfície) mineiro.
A pegada pode ser folk-rock no palco, mas no trem a diversidade musical comanda a alegria e já esquenta o público para a noite, que desde já, prometia ser cheia de surpresas. Um pandeiro e um surdo já serviram para colocar o povo para sambar no vagão, cantando alto sucessos de, olhe só, samba carioca. E à 00h30min, quando era prometido do show começar, três guitarristas e um violonista invadiram o meio do público e montaram uma roda de blues ao vivo, arrancando aplausos e solos virtuosos.
Hélio Flanders afrente do Vanguart(foto por Alex Silva)
Apesar do pouco público, os meninos de Cuiabá entraram no palco às 00h45min sem anúncio ou alarde. A banda, que recentemente assinou um contrato com uma grande gravadora para lançar seu Multishow Registro, ainda tem os seus resquícios de banda independente, tal quando Hélio anunciou que tem ‘umas camisas e uns cds a venda naquela barraquinha lá trás’. Talvez essa questão indie se dê só na atitude, pois ao vivo, o perfeccionismo que as canções são executadas, pelas mãos dos excelentes jovens músicos, assusta. Tirando algumas firulas vocais que Hélio usa, e o excelente solo de baixo que Reginaldo Lincoln executa no country-blues de “Just to See Your Blue Eyes See”, o show é basicamente uma execução ao vivo do que se ouve no álbum, somado a uma energia deslumbrante e muito sentimento bom.
A banda também mostra certa maturidade em deixar seu maior hit, a canção “Semáforo”, para o meio de seu repertório, confiando no mesmo público que cantou a plenos pulmões a ‘não tão hit’ “Para Abrir os Olhos” e decepcionou ao debandar durante o meio da apresentação – provavelmente para ouvir Lenine algumas estações a frente. O show ganha um ritmo mais animado durante seu decorrer, até porque começou com as lentas “Los Chicos De Ayer” e “Cachaça”, emendadas com “Miss Universe”. Impressionante a força e os detalhes quase inaudíveis de bateria que Douglas Godoy impõe em suas baquetas e em como David Dafre consegue manter aquela pose ‘folker’ – de casaco xadrez do avô e camisa social por baixo – e não sentir o calor forte que fazia na noite.
Lincoln no baixo (Foto por Alex Silva)
A banda se despediu depois de executar a nova “You Know Me So Well”, e voltou logo para o bis aos gritos de “O Mar”. O público, que já era reduzido a umas 50 pessoas apenas, viu ali a verdadeira força da banda, que ainda está acostumada com a onda indie e pouco público. Essa união com as pessoas que resolveram ficar para a apresentação até o fim, ocasionou um estonteante final de músicas não programadas e um show a parte. Foi o fim em “Into The Ice” e “Outlaw Blues”, uma versão punk de uma canção de 65 de Bob Dylan.
Devo confessar que ficamos órfãos de ótimas músicas como “Beloved” e “The Last Time I Saw You”, que poderiam ter substituído as fracas “Hemisfério” e “Promessas de Navegação”, mas valeu muito estar lá. Muito papo descontraído da banda com o público e uma hora e dez minutos de show: esse é o Vanguart apagando a aparição nervosa e estática da banda no DVD Multishow Registro. Esse show fez todos acreditarem no semáforo, no avião, no relógio e principalmente na música do Vanguart.