Resenha: Grito Rock RJ @ Circo Voador, Lapa RJ 26 e 27/02
* Resenha: Marcos Xi
*Fotos: Juliana Ribeiro
*Edição: Willian Decottignies
– O Rock, a tradição e suas certezas.
O Rock n’ Roll já foi um estilo elitista e já sofreu dos preconceitos de uma sociedade cabeça-dura e moralista. Hoje em dia, o estilo musical ganhou asas e mudou desde sua nascença, mas seja qual for a história, o rock ainda não é uma opção de programa em família. O Grito Rock é o maior festival independente da América Latina e escolheu para sua edição carioca o mesmo palco que a muitos anos atrás um tal de Marcelinho conseguiria o tão sonhado baseado que Tim Maia não conseguiu arranjar. Esse Marcelinho subiu ao palco do mesmo Circo Voador anos depois levando mais uma vez o baseado, mas agora em palavras, com o Planet Hemp.
Mas o foco não são os artistas citados, e sim a maconha. A fumaça subiu alto no primeiro dia de festival, ao som de 5 bandas selecionadas para representar o estilo de vida do rock n’ roll – num formato um pouco mais adolescente. O Circo passou a usar a política de que as suas atrações começarão mais cedo – mas nem atrasando o início dos shows, conseguiu evitar que o peso aliado as flautas do Aumumana e o pop rock de Wander Telles estivessem praticamente desertos. Os artistas exibiram qualidade e beleza nas canções, mas além dos estilos serem bastante diferentes das outras bandas da noite, pedir para os cariocas que cheguem cedo num lugar onde a décadas se produz shows só a partir da meia noite, foi pedir demais.
– O Novo e o bom da Cena Brasileira.
Com um recém lançado primeiro disco e uma elogiada turnê, os Sabonetes desceram de Curitiba para mostrar seu som no Rio de Janeiro. O público se animou e começou a encher a pista. Os coros vocais muito bem ensaiados e as divertidas e dançantes músicas despertaram a curiosidade de quem nunca havia ouvido o som do grupo, mesmo que o vocalista e guitarrista Artur tenha poupado sua voz e nos deixado sem as puxadas e gritos propostos no álbum, o show empolgou mesmo.
A primeira apresentação do grupo no Rio de Janeiro teve direito até a coro do público no fim do show, em alusão a música “Enquanto os Outros Dormem” que foi tocada um pouco antes do fim e ainda sim lembrada por aqueles que ocupavam a pista do Circo Voador. Houve quem abraçasse a namorada na balada “Hotel”, quem cantasse junto na fácil “Nanana” e os que dançaram sem parar no single “Quando Ela Tira o Vestido”. Um ótimo show que acabou perdendo um pouco a força perto do final, mas valeu muito pela qualidade, mesmo que o já conhecido som ruim da casa e o pouco tempo de show não permitissem a execução na integra do álbum de estréia do quarteto.
Surpreendentemente, a pista começou a lotar. A banda Tereza fez jus ao fato de ser a penúltima a tocar na noite e, embalada pelos numerosos fãs fieis e seguidores, destilou sua variação sonora num público perplexo – e já embalado pelos ‘bauretes’ fumados – a mesma energia emanada de cima do palco. Aproveitando-se do fato de estar prestes a lançar um EP com 8 músicas no mês que vem, a banda juntou essas canções e mostrou aos presentes a força que já passou por boa parte do país – e foi parar na Argentina.
A arrasadora presença de palco acachapante do vocalista Vinícius “Mullet” Louzada foi um dos grandes responsáveis pela destruidora apresentação. Os som passeava do punk ao country, sem deixar a energia abaixar. O público já sabia as letras e tinha até movimentos ensaiados para certas músicas (como em “Vamos Sair Para Jantar” e “Rádio Recordar”), surpreendendo até o mais otimista ao saber que o grupo só toca junto a apenas um ano e não tem nenhum material oficial lançado. Empolgaram público e até os funcionários, e acabou sobrando para a roadie Marcela Vale a vez de dançar com o grupo em cima do palco do Circo – Marcela, alias, toca na excelente banda Velho Irlandês. Sem mais, a banda Tereza é o futuro da música carioca.
Depois de tantas apresentações ótimas, ficou fácil para o Móveis Coloniais de Acaju mostrar o seu show – conhecido também como o melhor do país. Uma música emendada na outra com muito pouco tempo para respirar. Quem estava no gargarejo esperava em vão pela continuidade da apresentação para acalmar os que insistiam em fazer roda de pogo, ou simplesmente se jogar de um lado para o outro desreguladamente. A banda já havia feito shows antológicos no Circo e mais uma vez a roda de “Copacabana” se tornou uma massa única, que se movia junta por não caber mais ninguém. Dessa vez, foi mais leve, mas ainda sim lotado e intenso.
Quem estava lá viu o grupo tocar a ótima “Mergulha e Voa”, feita em especial ao projeto Tamar, “Glory Box”, do Portishead e “Adeus de Carnaval”; viu também o anúncio da edição do primeiro DVD da banda, que deverá aparecer na TV Cultura em abril; e até um Flash Mob – informado por papeis distribuídos pelo público momentos antes do show – deu certo: Durante a música “Aluga-se-Vende”, uma chuva de bolas foi feita pelo público, num efeito maravilhoso e emocionante. Algumas bolas acabaram rolando por quem assistia durante boa parte do show, e os inquietos músicos tiveram que soca-las de volta ao povo inflamado e bem sabido das letras de todas as canções.
– Em noite de paulistas com 24 anos de estrada, quem roubou a noite foram os mineiros.
Já na segunda noite do festival, os valores foram trocados: Saiu a maconha e entrou a baixaria. Se falar de mulheres e bebida era pouco, o negócio é explorar o Sexo, a falta de noção e as contradições. Assim como o Aumumana no primeiro dia, Os Abreus foram prejudicados pelo horário cedo – implicando no público vazio – e ainda o som diversificado ao proposto na noite. O grande negócio seria se as duas bandas trocassem de data. Ainda sim, o segundo dia do Grito Rock começava com as guitarras mais altas, mais camisas pretas e menos baseados.
Com o ‘original’ nome de Martiataka, os mineiros subiram ao palco com um único foco em mente: fazer um rock n’ roll vigoroso e de qualidade. A premissa assusta, mas o som e a animação trouxe muitos novos fãs a banda que bateram cabeça sem medo na pista – que cada vez mais enchia. A banda veio divulgar seu primeiro álbum, A Moda do Caos, lançado no fim do ano passado e surpreendeu numa noite de pouca inspiração musical. Simpaticos, lembraram que já exibiram suas guitarras no segundo Grito Rock RJ, no minúsculo Cine Lapa, e causaram frisson aos presentes ao executar uma maravilhosa versão de “Eu Não Matei Joana D’arc”, da clássica banda Camisa de Venus. Mineiros para ficar de olho.
Com um som detalhado e experimental, o 11:11 tentou ser a grande diferença da noite, mas talvez pelos excessivos problemas com som (guitarra, distorção, bateria e teclado) e pela levada um tanto repetida, acabaram sendo o ponto mais fraco da noite. O vocalista Tomaz (carregado de efeitos na voz) e Tchello (baixista do Detonautas) até que mostraram uma qualidade impressionante de arranjos, mas o melhor momento ficou a cargo da versão ‘Radioheadiana’ de “Riders of The Storm”, dos eternos The Doors. Uma proposta interessante de som, mas que aparentemente é ineficaz no palco e ainda precisa arrecadar fãs para tomar força. No show da banda principal da noite, viu-se Tomaz subindo no palco e dando mosh na galera, relembrando a infância.
– Vergonha Alheia
Jogando em casa, o Cabaret entrou no palco com a partida ganha – e perdeu tudo. Com uma apresentação teatral e um coro feminino de deixar qualquer Pink Floyd com orgulho dos filhos, o rock engasgou nas palavras erradas. Na primeira chance que o vocalista Marvel teve de conversar com o público, o seu personagem Glam decidiu mexer exatamente com quem trouxe o público para lá, os Velhas Virgens. Numa brincadeira com os fãs da banda seguinte, conseguiu que todas as músicas do show fossem terminadas pelo coro de “BUCETA” ou “VIADO”. A pose de Glam escondia um real Sidney Magal do rock – e isso incluindo as falas, o tom e as linhas vocais e a barriguinha que fugia da camisa, mas não houveram calcinhas esvoaçantes, mas sim uma senhora empolgadíssima no canto direito do palco. As músicas são realmente boas, mas tocar para uma platéia que não te respeita – mesmo que não na totalidade – abafou o que o Cabaret poderia mostrar.
Os Djs fizeram questão de renascer o adolescente que estava guardado em todos ali, tocando desde Raimundos até Nirvana – o que fez gerar uma roda de pogo gigante onde até o pessoal do Sabonetes – que tocaram na noite anterior – estava participando. Com o palco bizarramente ornamentado e a pista cheia de pessoas de todas as idades esperando a grande atração da noite, os Velhas Virgens sobem no palco do Circo Voador como se Tim Maia aparecesse num show – delírio puro. Das letras, os assuntos eram sempre os mesmos: sexo explícito e bebida. Quando exigia uma mudança, o caminho era a baixaria total e o bar. A sensação de quem vai no show despreparado é de total vergonha ao fazer parte de uma orda que critica o samba e faz um cd de marchinhas de carnaval, de quem manda o funk ‘pra casa do caralho’ e tem letras de nível bem mais abaixo, e de quem incita a masculinidade mas diz que quer dar o anus porque o grupo completa 24 anos de existência. Nem Punk e nem Country, do Blues ao Rock, como eles mesmo se proclamam: “A maior banda independente do Brasil”.
De tudo um pouco acontece nas duas horas de show: Sua namorada pode ser intimada a pegar no seu pênis, na frente de todos, pelo próprio vocalista Paulão – que ainda vai lá e pega também no orgão do rapaz que pula de emoção porque ELE pegou; Sua namorada também pode ser obrigada a gritar que faz sexo oral; você TEM que cantar junto que quer ‘meter’ e ela deve ‘abrir as pernas’; e você não é um cara legal se não for para um bar e encher a cara. A sessão é maior, e a vergonha é ainda indescritível. Ainda nos deixaram uma versão rock de Adoniran Barbosa, músicos de altíssimo nível, e várias encenações de sexo e masturbação pela também vocalista Juliana Kosso – que até beijo em uma fã deu em cima do palco. As invasões ao tablado eram frequentes e o público inflamado cantava cada canção como se fosse um hino a sua juventude. No final, você acaba entrando na festa e realmente o show se torna divertido, mesmo que você tenha visto um tiozão só de cueca no palco…
A grande questão é que isso é Rock. Aqui, os puritanos não pisam e os sem atitude não sobrevivem. A verdade pode não ser a que está sendo dita, mas a energia que vem do palco, e transmitidas por todas essas bandas, são indescritíveis e só resumem o que todos nós queremos e gostamos de ouvir: O bom e velho Rock n’ Roll. Dos baseados da primeira noite as ‘bucetas’ na última, o que restou foi o grito de liberdade que mais uma obra prima do independende brasileiro nos faz dar. Parabéns ao Grito Rock RJ por dar nova força as guitarras desse estado.