Resenha: Festival Fora do Eixo RJ 2° Dia @ Teatro Odisséia, Lapa-RJ 13/05/10
São seis horas da manhã, e após duas horas e meia de viagem, desemboco em meu quarto esse corpo cansado, vindo de mais uma catártica noite Rock n’ Roll produzida pela gloriosa e salvadora cultural Ponte Plural. A meia lotação era facilmente explicada pelo fato de ser uma quinta-feira, mas contradita pelos estelar line-up independente brasileiro – quem perdeu, se f…
A banda Tereza entende o que é Rock. Trabalha cada coro e interjeições em suas músicas com o mesmo interesse em ser a solução carioca para outros Moptops, mas sabendo que a guitarra não precisa ser sempre Strokes e a cozinha ainda pode ter um respaldo Surfmusic e Leste Europeu. A movimentação no palco é incessante e a insistente procura na afinação certa para executar cada canção, mostram um rock bem montado, dançante e de fácil aceitação do público, só faltando se organizar melhor no além-show.
Entre uma música nova aqui outra ali, o som da Tereza parece mais unido e bem ensaiado, um tanto diferente de três meses atrás. Como de costume em seus um ano e meio de banda, já entraram com o público ganho e foram arrecadando vários novos seguidores durante a performática atuação do vocalista Vinícius Louzada. Um comparativo direto à mistura de sons e animação em cima do palco, seria com os ‘internacionais’ Gogol Bordello, e toda sua inquietude organizada no tablado. Mais um ótimo show do Tereza, e o Nevilton não para de ficar andando por aí abraçando uma garrafa de cerveja…
Já o Brasov, entra com renome na cena e o fato de serem os mais antigos na estrada. Por volta das 22:30, a banda se encontrava no meio da Lapa, ao lado do Circo Voador, passando o som dos metais e organizando tudo normalmente, como se fosse normal encontrar trompetes e sax no meio da rua fazendo um som mesclado e trabalhado até a última dissonância. Calcado em versões pouco convencionais de clássicos da música, o show é parte instrumental (que ilustra magnificamente a qualidade técnica dos músicos) e a parte onde são cantadas inimagináveis versões e canções próprias (que só mostram a criatividade que eles guardam).
Quando a magistral versão de “Masculino e Femino”, de Pepeu Gomes, abriu caminho, os pézinhos dançantes da platéia já balançavam de um lado pro outro e a entrada de “Kalashnikov” foi a ponte perfeita para surpreendermos com uma versão de “Toxic”, de Britney Spears – versão que, aliás, perdeu toda a sensualidade e ganhou em energia. Vale o destaque para as roupas ‘esporte da década de 70-80’ e a touca ninja que o baixista Lucas Macier usava. A troca de bateristas, algumas dancinhas ensaiadas e a participação tímida de Fernando Oliveira, do Canastra, tocando trompete no meio do público, também diferenciaram sem perder a qualidade e a energia irreverente. E o Nevilton só ficava falando que queria metais assim nas suas músicas, ainda abraçado com a garrafa.
O jovem e simpático Nevilton ainda tem espinhas (muitas) no rosto, mas seus olhos verdes só perdem para os poderosos solos de guitarra que ele é capaz de lançar. Nevilton – a banda – é forte, crua e traduz o espírito Rock n’ Roll ao vivo sem medo de errar ou parar no meio de uma música para dar uma golada na cerveja. As linhas de baixo inteligentes e seguras, produzidas por Lobão, mostram o power trio seguro de como tirarem o melhor de seus instrumentose e ao mesmo tempo, animar no palco loucamente com giros, pulos e danças tiradas de onde nenhum Kurt Cobain jamais esteve.
Nevilton ensina refrões, fala bastante com o público, pede movimentação e volta a tirar solos estridentes de sua guitarra, misturando versos de diversas músicas, que vão desde MGMT até “Asa Branca”, do rock ao forró. A banda até ganha um desenho da platéia (do mesmo Fernando Oliveira, do Canastra, banda que toca no dia seguinte no mesmo festival) e arranca gritos enquanto toca suas maiores apostas musicais: “Pressuposto” e “As Máscaras”. Num papo com a banda, eles aunciaram que estarão se juntando a bandas que queiram fazer uma turnê e ainda que já tem um disco inteiro gravado, mas esperando um patrocínio para o lançamento (olha a dica aí, empresas). Enquanto isso, Nevilton para mais uma música para virar mais uma cerveja…
Denso, energético e surpreendente define a loucura que a casa presencia em cima do minúsculo palco do Teatro Odisséia. Sete cabeças que misturam sons e denominam-se Porcas Borboletas deixaram o público estasiado e surpreendido com a força que o som passa – mesmo sem ter uma definição ou denominação do que eles fazem, é simplesmente surpreendente.
As indescritíveis danças do vocalista Moita e sua roupa mais retrô que o uniforme do Brasov, escondiam um som mais atual e diferente do que poderíamos imaginar. A banda é formada por pessoas visivelmente diferentes, mas focadas numa única coisa: a música. Em diversos momentos, o percussionista Jack (munido desde papelão até lata de tinta) pareceu estar possuído por alguma entidade desconhecida, tamanha a força que se entrega às músicas com seus movimentos totalmente improváveis no palco – e até além dele. Ao fim do show, o coro de bis foi unânime da platéia e mesmo assim deixaram de fora a grande música de seu álbum, “A Passeio”, que posteriormente o violonista Banzo me explicou ser pelo caminho mais lento e diferenciado que a música tem em comparativo com o ritmo do show. Sensacional. Aliás, cadê o Nevilton?
O dream team heróico carioca assina como Do Amor e encerra a noite. Para quem não esperava muitas surpresas, encontrou o baterista Marcelo Callado empenhado e com muita vontade de tocar – talvez pelo seu elevado nível alcóolico. Com isso, o show foi, aos poucos, ganhando ares épicos surpreendentes, com setlist astronômico e domínio total do palco e público.
Os laços de amizade entre os integrantes mostram que o que fazem ali é o que realmente gostam, e cada sorriso que um dá para o outro confirma todo o amor que o Do Amor quer te dar. Somando esse teor fraternal com o teor alcoólico, o show foi se esticando… somando… mais um cover e outra música, até que já não sabiam mais o que tocar. Foram desde suas demos, passando pelo primeiro álbum (que segundo Benjão, sairá em junho) e até músicas inéditas e planejadas para uma já segunda coleção de petardos, provando a longevidade do grupo.
O telão já repetia os vídeos antigos e os seguranças reclamavam com a organização pelo fim do show, pois realmente, uma hora e meia de show numa quinta-feira e em um festival não é pouco, e não é lógico. Apesar da empolgação, a continuação e emenda infinita de músicas e covers, esse tipo de atitude acaba queimando a organização, que praticamente teve que subir no palco para pedir que parecem de tocar, e só arrastando Callado da bateria é que o barulho teve fim. Guitarras e solos loucos, som no talo e qualidade impressionante marcaram esse épico show do Do Amor.
A cena engraçada fica por conta, logicamente, de Nevilton e sua long neck encantada, que pulou e dançou loucamente na frente do palco, arrastou Moita e Banzo do Porcas para o acompanhar, tentou fazer algum barulho doido com o Do Amor e ainda subiu no palco no último acorde do show dos cariocas. Levou o prêmio Pilha Duracell.
Impressionante define bem a segunda noite do festival nesta quinta. Orgulho tenho de ver essa cena ganhando forma novamente, e trazendo belos petardos musicais para esse estado, fazendo o espírito rock n’ roll ser mais uma vez coletivo, e feito por coletivos.