Renato Frias: Os CDs que eu perdi
Uma das coisas que mais me preocupa em relação ao meu acervo virtual de músicas é a sua fragilidade. Não sei quantas mil músicas baixadas em uma luta árdua contra a Velox – que por muitas vezes me remete aos tempos de batalha discada – e basta que algum componente do meu HD resolva pifar para eu perder todo o material. Isso é foda. A cada queda de luz, uma rotina se repete. Religar o HD, dar uma conferida nas pastas e agradecer à criança chinesa que construiu aquele aparelhinho com tanto esmero. Que as orações que te faço brotem um dia num papel cortado dentro de um biscoito da sorte, meu jovem.
Por outro lado, a concretude física de LPs e CDs também não é nenhuma garantia vitalícia. Se MP3 corrompe, K7 embola, LP risca e CDs arranham. Ou se perdem. Ficam na casa de ex-namorados, no porta luvas de carros roubados ou misturados à coleção daquele teu amigo que vai te devolver na semana que vem (promessa que você guarda desde 1997).
E para essa minha estreia aqui no RockinPress, resolvi justamente compartilhar a história da perda de alguns CDs que foram importantes pra mim. E só pra mim, eu acho. Curiosamente, foram álbuns pouco representativos na discografia dos seus artistas, mas que, pra mim, tiveram alguma importância. Vejamos:
Autoramas – Vida Real
Você provavelmente não conhece essa capa
Essa é uma história clássica de perda de CD. O CD não desapareceu, simplesmente. Só está, digamos, foragido. Recluso. Exilado. Eu sei onde ele está, mas não posso alcançá-lo. Explico: uma das faixas desse CD é a música Eu era pop e a minha antiga banda planejava fazer um cover desse som. Como eu era o único que tinha o álbum (aliás, um dos únicos no Brasil, eu acho, ninguém comenta esse CD dos Autoramas), o deixei com a baixista para que ela pudesse tirar a linha de baixo. No entanto, pouco tempo depois, por “motivos de incompatibilidade musical”, a menina acabou saindo da banda. Na real, foi saída. E quem foi dar o recado? Eu, é claro. A gente perdeu o contato por um tempo mas ainda deu pra encontrá-la algumas vezes e, carinhosamente, cobrar o CD. Mandávamos sempre aquele “vamos marcar!” (trademark carioca) mas a única coisa que eu marquei foi bobeira. Agora quase não a vejo mais, não sei por onde anda e, por mais que eu a encontre por aí, vai ser chato cobrar um CD depois de anos. Mas Pam, se você estiver lendo isso aqui, devolve meu CD aê! Autoramas é uma das minhas bandas favoritas e tá faltando esse aí na coleção.
Tim Maia – Romântico / Jorge Ben – 23
Porra pai, eu nunca gostei disso.
Quando eu era moleque, meu pai tinha um hábito qualificável no mínimo como malandro. Sempre que eu fazia aniversário e alguma tia perguntava “o que o Renatinho quer de presente?” ele mandava algo do tipo “ah, ele adora o Simply Red!” ou então “olha, acho que eu vi ele cantando uma música da Sade”. Ou seja, engambelava geral e metia na lista de presentes algum CD que ele estivesse querendo ganhar. Deve haver um setor no inferno destinado para pessoas com tal tipo de prática, mas hoje agradeço ao meu pai por ter feito isso. Por conta desse hábito, conheci dois caras que foram fundamentais pra minha formação musical: Jorge Ben e Tim Maia. À época (1993), eles lançavam o álbum 23 e Romântico, respectivamente e ganhei ambos de presente de aniversário. Como disse, não são os pontos altos da carreira dos artistas, mas pra um fedelho que ainda estava descobrindo a música, foram fundamentais. “Spyro Gyro” foi um hino da minha infância. Agora, esses CDs não estão mais comigo e também não estão com meu pai. Esses desapareceram mesmo. Deus castiga, pai. E eu quero a minha Caloi.
Michael Jackson – Dangerous
ÁU!
Essa é, com certeza, a história mais dolorida. Esse CD foi simplesmente o primeiro que eu ganhei na minha vida, lembro com clareza do dia. Lembro também da minha estranheza ao perceber que naquele disquinho minúsculo cabia o mesmo número de músicas que num discão de vinil (rá, queria poder mostrar um pendrive pro Renato-de-5-anos). Lembro de ouvir esse CD até não poder mais, fazer os passinhos, colocar a mão entre as pernas e gritar ÁU! Ouvindo hoje dá pra sacar que as músicas não são lá essas coisas, mas pra mim foi a porta de entrada pra cacetada de coisa bacana que o cara fez sozinho e com os irmãos. Tristemente, minha cópia do Dangerous perdeu-se não sei onde e nunca mais consegui achar. Só que tem um porém: a caixinha do álbum ainda está aqui em casa. O encarte também. Só o disquinho, o CD em si, que não. Isso dói demais. Isso deixa uma ponta de esperança, é como uma carta de até logo de alguém que nunca mais voltou. Cruel. Mas guardo a caixinha aqui, na esperança do retorno, tal qual a mãe que mantém o quarto do filho desaparecido “do jeitinho que ele deixou”. Volta, Michael!