Renato Frias: A verdadeira história de Roberto Carlos

Algo que me intriga há muito tempo é essa relutância do Roberto Carlos em permitir que se publique alguma biografia sobre ele. Das obras que ele embarreirou, a que mais me chamou atenção foi a recente publicação intitulada “Jovem Guarda: moda, música e juventude”, pois esta nem tratava diretamente da vida do rei. A que se deve essa preocupação do Roberto em manter privadas algumas passagens da sua vida artística? Em uma reportagem especial para o RockinPress, reuni algumas informações que podem ajudar a sanar essa parte capenga da história de Roberto Carlos.

Uma forma de entender como se deu a construção do mito da jovem guarda, é entender um pouco sobre a história de outro ícone da cultura pop: James Bond. Sim, ele mesmo, o 007. Poucas pessoas sabem, mas não existiu apenas um 007. Esse número é na verdade um codinome assumido por diversos agentes ao longo da história, o que explica porque acompanhamos aventuras do famoso espião em períodos históricos completamente diferentes. Eram agentes diferentes, em épocas diferentes. Não houve, portanto, apenas um James Bond.

A mesma coisa acontece com o Roberto Carlos. Não existiu apenas um rei, mas sim uma série de artistas que se revezaram ao longo dos anos sob este famoso nome, sempre alcovitados por um grupo de produtores responsáveis pelo Projeto Roberto Carlos.  Isso ajuda a explicar porque o “artista” passou por fases tão distintas na sua carreira. Estima-se que mais de 12 artistas já passaram pelo projeto. Eram cantores das mais diversas origens com personalidades e estilos bem diferentes entre si. A única semelhança: todos tinham uma perna só. Separamos aqui a história de dois deles para contar para vocês.

Randall Lamar Smokey Charles, o Roberto Carlos negro

Criado em 1959, mesmo ano de fundação da gravadora Motown, o Projeto Roberto Carlos buscava, na virada da década de 60 para 70, se desvincular da imagem da Jovem Guarda, estilo musical que sustentou o projeto por quase dez anos e começava a sentir o desgaste do tempo. Aproveitando o bom momento que a música negra vivia no Brasil, através de artistas como Tim Maia e Gerson King Combo, os produtores apostaram no jovem cantor e compositor Randall Lamar Smokey Charles para assumir o trono do projeto. Nascido em Detroit e criado na Água Santa, Zona Norte do Rio de Janeiro, Randall Charles é o responsável pela fase black do Projeto Roberto Carlos. Algumas das suas primeiras composições, como Ciúmes de Você e Não Há Dinheiro que Pague, foram testadas no álbum Inimitável, de 1968. O imediato sucesso comercial desses hits fez dele a principal figura do projeto nos primeiros anos da década de 1970. A pegada groove de Randall pode ser sentida em composições como Como Dois e Dois, Você não Sabe o que Vai Perder, Eu só Tenho um Caminho e Todos Estão Surdos, todas elas do álbum de 1971.

Pouca maconha rolando hein, jovens?

O reinado de Randall, no entanto, não durou muito. Sendo substituído gradativamente por compositores que seguiam uma linha mais romântica-bailinho-da-terceira-idade, o Roberto Carlos negro deu a sua última cartada em 1976 com a canção Ilegal, imoral e engorda. Após esse último suspiro black, Randall caiu no ostracismo e teve que buscar um novo rumo para a sua carreira. Após passar anos apresentando-se em pequenos bares fazendo covers dele mesmo, R. Charles encontrou uma nova saída, abandonando o funk americano e dedicando-se ao funk carioca. Buscando nas suas raízes suburbanas as referências necessárias para a sua reconstrução de identidade, Randall assumiu a alcunha de Biruleibe, tornando-se, já na virada do ano 2000, o primeiro MC do funk carioca com mais de 50 anos.

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O Roberto Carlos holograma

Dada a enorme dificuldade de se conseguir algum artista que se dispusesse a assumir a atual fase do Projeto Roberto Carlos, houve a necessidade de buscar uma alternativa de alta tecnologia para manter o mito de pé – ainda que em uma perna só. Ao que consta, tal dificuldade está relacionada ao fato das composições que hoje compõem o repertório do Projeto Roberto Carlos serem todas de autoria dos próprios produtores por trás da marca, um grupo de senhores já debilitados pelo tempo, fãs de Ray Conniff, laquê e bingo aos domingos. Na esteira de eventos que trouxeram TuPac e Elvis de volta aos palcos e que permitiram a existência do Zordon, dos Power Rangers, os donos da marca RC encomendaram um artista virtual para ocupar a vaga do rei. O que se vê nos atuais shows é, na verdade, um holograma. Não à toa boa parte das apresentações ao vivo do Roberto Carlos contemporâneo acontece em cruzeiros, onde o baixo senso de ridículo e o alto grau alcoólico dos frequentadores permite esconder as imperfeições do artista virtual.

Essa pessoa na verdade não existe.