Projota enfia o dedo na ferida e sangra

A primeira música já vem como tapa na cara, anunciando que a união de pequenos esforços pode ser muito maior que qualquer arma e que a humildade vem antes de tudo. A música em questão é a homônima da mixtape de Projota, Muita Luz, que finaliza com o jargão ‘Foco, Força e Fé’, mas abre alas para outras 18 faixas que carregaram muita acidez e palavras diretas.

A impressão inicial é que com essa abertura, o disco será uma surpresa atrás da outra. Claro que elas ocorrem, mas não com tanta frequência. O que acontece é que o som do Projota não se destaca tanto – e olha que potencial é o que não falta – as letras são fortes e intensas, assim como um bom rap, de quem vivenciou dificuldades da periferia realmente. Mas o x da questão aqui é como essa mensagem é entregue, a obviedade em questão.

O rap tem como seu papel divertir, porém sempre alertando o que ocorre no dia a dia nos bairros periféricos das grandes cidades. Projota faz muito bem esse dever de casa, porém a entrega é imediatista, tudo muito claro e indiscutível. Ele diz e pronto. Papo encerrado. Sem essa de você parar e refletir sobre uma letra ou uma rima intrigante.

Exemplo é Fogo, segunda faixa, que confronta diretamente o papel dos pais e sua linguagem perante os filhos. Versos como “Você assiste o cara que te mata, na tv / Seu filho ouve mais meu som do que suas palavras” e o refrão “A vida me deu fogo, mas não vou queimar você”, o questionável aqui é será que o papel paternal não está sendo queimado? Seu público, geração entre 15 e 25 anos, vive uma fase que já é conflitante por si só, momento de questionamento sobre o papel de pai e mãe, na grande maioria dos casos, era necessário um reforço para o conflito desses personagens?

Indo mais fundo, para claridade dessa questão, digo que sabemos que pais e mães nem sempre acertam na educação e não falam a mesma linguagem que seus filhos, mas se analisarmos o comportamento corriqueiro do público em questão vemos diversos problemas nessa relação, que não precisam de uma incitação maior.

Na faixa “Foco na Missão” o som fica mais dançante, e as letras voltam para questões próprias, com o reforço do discurso do seu jargão “Foco, Força e Fé”, já levantando a bandeira do rap nacional com a frase “Curto Jay-Z mais curto Edi Rock e Marechal” e martela novamente na faixa “Vocês Vão ter que Engolir” com o trecho de abertura “Chegou a nossa vez, é o rap nacional, agora cadê vocês?”

Em faixas finais como “Silêncio” e “Eu sou Problema” Projota muda mais uma vez o discurso, agora fala com as palavras “meu povo”, como quem clama atenção para seu bairro e suas questões como morte de pessoas pela violência e a péssimas condições que existem em hospitais, distribuição de rendas e oportunidades.

A mixtape de Projota possui um ar muito peculiar e específico do seu trabalho, onde ele impõe opiniões de forma agressiva e direta, em momentos isso é questionado, porém suas palavras são convincentes ao ponto de compreendermos questões que necessitam ser debatidas sem rodeios. Mas o mais positivo é que Projota fala com todos no mesmo tom, ele muda de foco constantemente, conversando com pessoas próximas da realidade vivida por ele e em outros momentos com quem está muito distante.

Sua linguagem é igualitária, talvez por esse ponto, exista a necessidade de se eximir de rimas densas e minuciosamente trabalhadas, para mandar um real papo reto.