O Que Une Mallu Magalhães e Courtney Love: Mallu Magalhães – Pitanga
Artista: Mallu Magalhães
Lançamento: 30 de setembro de 2011
Gravadora: Sony/BMG
Site: mallumusic.com.br
Rockometro: 8,5
Ouça: “Sambinha Bom”, “Baby, I’m Sure” e “Olha Só, Moreno”
Foram dois anos desde que o segundo disco chegou aos ouvidos brasileiros e dois que mudaram a vida da jovem cantora. Agora estabelecida no Rio de Janeiro, frequentadora do Baixo Gávea, dos supermercados de Copacabana e das praias cariocas, Mallu vem assimilando a rotina de seu namorado e transformando esses momentos em música cada vez mais plural, mais brasileira. Não que seja um Caetano lançando um novo Cê, ou um Marcelo trabalhando num novo 4, mas sim uma mulher ainda descobrindo novas formas de trabalhar e mostrar seu trabalho.
Pitanga, em sua primeira ouvida, é claramente influenciada pelo detalhismo nos arranjos de Marcelo Camelo, produtor e namorado da jovem, gerando inclusive comparações prévias principalmente com Toque Dela, recente álbum solo de Marcelo (ouça “Cena” e “Velha e Louca”). Mas basta algumas ouvidas a mais que logo se descobre que ali, definitivamente, existe aquela Mallu jovem, usando o banjo, melodias vocais com espaços entre uma palavra e outra, o assobio característico, voz por vezes rouca, em outras doce, de afinação peculiar, entre outros detalhes.
Existe uma mudança de preferências e estilos nas músicas. O folk, que a tornou uma figura pública, agora se esconde por trás de pianos adocicados, percussões baseadas em inúmeros tipos de chocalhos e barulhos distintos, que enchem nossos ouvidos e escondem os violões simples que antes ouvíamos (ouça “Highly Sensitive” e “Lonely”). O principal trabalho de Marcelo e Victor Rice (co-produtor e arranjador) neste disco é elevar os arranjos e criar novas opções de trabalho, ajudando a formar um novo vínculo sonoro para a cantora e sua nova fase, lapidando suas canções para algo além do simples folk que um dia já lhe foi veiculado.
A realidade é que estes arranjos apontam uma maturidade musical e confiança maior no trabalho. Um sentimento de poder se arriscar mais facilmente, provavelmente pela companhia de seu amado, tomou a gravação vocal do disco e transformou em memoráveis momentos que vão além da voz emotiva para a surpresa: Mallu alcançou novos tons agudos ainda não explorados e acabou proporcionando os melhores momentos do disco, exatamente em passagens vocais que um dia já foram tão criticadas (ouça “Sambinha Bom” e “Olha Só, Moreno”).
A guitarra estridente agora aparece apenas em viagens dentro do arranjo – muito pela influência que o produtor Kassin inseriu nos ouvidos brasileiros através de suas produções – e somente como acompanhamento (ouça “Velha e louca” e “Youhuhu”). Os solos de guitarra, para não dizer que foram abolidos, aparecem trocados por passagens simples e abafadas no violão ou metais. Neste ponto, o rock se mistura com o folk e o folk se torna rock, fazendo as músicas do disco ganhar cara própria e amadurecendo o estilo que a pequena lançou em 2008.
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“Velha e Louca” versão voz e banjo para a Revista Alfa
Ao contrário do segundo trabalho solo de Camelo, o piano é usado de maneira decisiva em Pitanga. Em “In The Morning”, as teclas – que por vezes parecem tortas, desafinadas – dão o ar que uma música de ninar precisa, que ao se juntarem com os efeitos de brinquedos infantis, nos remetem à crianças e nossa infância, num dos mais belos momentos do disco. A faixa de encerramento, “Cais”, é uma curta camada sonora inebriante, sentimental, solitária e surpreendente, criada através de sinos, piano, microfonia de guitarra e uma voz calma e contemplativa. Basicamente, um post-rock à brasileira.
A facilidade que Mallu tem de conseguir exprimir seus sentimentos nas letras, colocando-as diretamente em palavras de fácil entendimento pode, inclusive, assustar. “Velha e Louca” não foi escolhida para ser o primeiro single do disco por puro acaso. Nesta canção, Mallu Magalhães demonstra em frases como “pode falar que eu não ligo / agora amigo / eu to em outra“ ou “pode falar que eu nem ligo / agora eu sigo o meu nariz” a afirmação de entrada em uma nova fase, desquite por críticas vazias, e inclui até a sua paixão pela moda.
Esta também é a canção que mais se aproxima do clima e arranjos de Toque Dela, o que marca a participação maior de Marcelo Camelo, junto com “Baby, I’m Sure”, faixa que Camelo empresta sua voz para o backing vocal do refrão. A influencia do namorado também é facilmente impressa nas letras do álbum – quando não totalmente diretas. Duas faixas do disco se referem a alguém como Moreno (“Youhuhu” e “Olha só, Moreno”), assim como Marcelo sempre se refere à sua musa como Morena – fora o fato de algumas melodias vocais se embrenharem no jeito espaçado que Camelo gosta de cantar. O tempo curto das músicas, os timbres intimistas e a preocupação em deixar as canções mais objetivas, nem que isto custe um refrão ou base, também é marca que seu namorado soube impor.
A ala samba do disco, apesar de ter timidamente duas canções, traz o memorável momento musical chamado “Sambinha Bom” e toda a sua importância dentro do contexto do álbum. Se a canção, tranquilamente o melhor momento de Pitanga, não for escolhida como single, assim como “Versinho Número 1” não foi no álbum passado, deixaremos de ver pela tevê o momento em que uma cantora jovem de folk sobe ao estandarte de mulher da MPB, marcando de vez a transição dentro da sua curta, porém vitoriosa carreira.
E é bem isso que esse álbum representa: a transição da jovem promessa para a mulher da música brasileira, que como poucos consegue se reinventar e mudar o pensamento das pessoas. O que preocupa é o tempo que esta transição está demorando – já vindo do álbum anterior – e quando ela vai se estabelecer. Dizer que é um álbum maduro ainda é precipitado, até porque o estilo das músicas acabou de ser modificado e sabe-se lá como irá influenciar as próximas canções, porém mostra um bom caminho e metas a serem seguidas.
Pode parecer aquela história que até hoje sombreia o Live Through This, segundo disco da banda americana Hole, liderada por Courtney Love e composto enquanto ela ainda era casada com Kurt Cobain, gênio que um dia liderou o Nirvana. Ali, dizem que Kurt deu a voz (oficialmente), o caminho, guitarras e até composições para que Courtney fizesse um álbum que marcasse a banda e abrisse um novo caminho pela frente (em seguida a banda lançou Celebrity Skin e explodiu no mundo). Se os ventos fortes da inspiração baterem na janela daquele prédio da Zona Sul carioca, deveremos ouvir um novo Cê, um novo 4, ou melhor, um histórico disco da Mallu Magalhães em alguns anos.