É difícil definir o que é o rock. Muito além de um simples rótulo de prateleira, ter o gênero anexado ao seu produto depende de imagem, atitude, posição e muitos outros fatores difíceis de explicar com palavras, mas fáceis entender visualmente e por meio da audição, que nem precisa ser apurada, mas pronta para ouvir o estouro das guitarras.
Caminhando neste limite que o Festival DoSol 2015 começou sua principal edição, a de Natal: no volume máximo, ensurdecedor. Os decibéis na sexta e no início do sábado de festival mostravam o direcionamento ‘rock na potência máxima’ que o produtor e organizador Anderson Foca propõe para o evento e suas próprias bandas, o The Sinks (que tem ainda o paraense João Lemos, da Molho Negro, no baixo, e o goiano Edimar Filho, do Black Drawing Chalks, na bateria) e o Camarones Orquestra Guitarristica, que mesmo com a muito recente troca de guitarristas – saiu Fausto e voltou o antigo guitarrista Leo Martinez – continua sendo o show mais rock, explosivo e dançante do festival.
Mais o rock mesmo, em atitude e força, esteve mesmo com o maior destaque do festival: Thiago Pethit arrebatou uma casa abarrotada de fãs criando coros, beijando-os na boca sensualmente, pulando no público e fazendo muito mais pelo gênero do que era esperado em sua discografia. Segundo o próprio, “Rock é fazer política em forma de festa, de bacanal. É uma arma poderosa porque pode tocar o instinto das pessoas, os desejos e o corpo muito mais que a mente”.
Nessa experiência de expor todos os conceitos do ritmo, Thiago alcançou muito. Enfileirou canções diretas num show energético que começou de camisa social dentro da calça e terminou em roupa aberta, colar quebrado, litros de suor e um público extasiado. Ele foi o único a ter um bis no palco DoSol, conseguiu alongar seu show mesmo não estando no maior palco e ainda sim, num show curto, satisfez os presentes tocando um repertório de praticamente só canções de seu último disco, o imensamente elogiado Rock n’ Roll Sugar Darling. “Eu me sinto livre e em profunda comunhão com o público quando faço rock. Talvez porque o rock seja como um instinto sexual e ninguém faz sexo sozinho”, comenta o cantor.
A porrada veio em forma de hardcore no domingo. Com suas letras de cunho crítico já muito bem conhecidas e cantadas pelo público fiel, mesmo as do disco novo, Vitória, o Dead Fish promoveu uma verdadeira chuva de corpos no palco do Armazém Hall. Dúzias de pessoas se jogando do tablado ao encontro do chão ou de alguma outra pessoa; Rodas grandes, pessoas caindo, sangrando e com largos sorrisos voltando para o meio do público, alguns de cueca, sem tênis, camisa e até de máscara, homens e mulheres, fazem da banda capixaba um rolo compressor sonoro. Uma música atrás da outra, sucessão de hits, músicas nem tão conhecidas e celebradas da mesma forma por cada presente. Selvagem e perigoso como o rock e seu derivado, o hardcore, sabem ser.
Já livre da turnê de divulgação do último disco e celebrando toda a carreira, o Móveis Coloniais de Acaju contou sua história no palco. Passeou por músicas antigas, fases mais pop, singles avulsos, últimos lançamentos e até seus inusitados covers, como a “A Menina Dança”, dos Novos Baianos, logo após um longo discurso sobre #primeiroassedio, num engajamento político e social característico ao Móveis. Entra ano, passa disco, nascem projetos paralelos e os brasilienses continuam sendo uma aventura e diversão ao vivo, mesmo sem o saz de Esdras, em turnê solo em Bangladesh, e a flauta de Beto Mejia, acompanhando o nascimento da primeira filha. “A gente quer ver o público feliz, isso que faz bem”, comenta o vocalista André Gonzales na coxia do palco.
O lineup Lo-Fi da primeira noite foi cadenciado pelo som alto, saturado e potente do Centro Cultural DoSol. Lá, o The Cigarrettes fez uma bagunça digna de diversão entre amigos e o Lê Almeida ensurdeceu enquanto cantava com sua voz doce e sua sujeira descomunal, terminando a noite vendendo ‘cookies mágicos’, com condimentos ‘especiais’, em sua banquinha da Transfusão Noise Records. Os ‘diferentes’ da noite foram também os melhores. Com técnico de som próprio, o Aeromoças e Tenistas Russas foi destaque e embarcou num post-rock com jazz banhados no rock, e elementos eletrônicos e visuais que passavam a mensagem ‘falada’ mesmo sendo uma banda instrumental. Na guitarra, um #ForaCunha de fita isolante logo chamou atenção e ganhou apoio, já conquistando o público que, ao final, já os acompanhava com palmas e gritos de “uh!” improvisado em “2036”, canção que abre o recém lançado disco Positrônico. Já o Fukai e seu freejazz psicodélico mpb beatlemaníaco do nordeste fez o que sabe: conquistar o público fiel natalense cantando despretensiosamente e fechando a noite de casa em meia lotação e em clima de esquenta.
A cena de Natal ainda mostrou seus outros destaques. Com seu fã clube em peso e casa cheia, a Plutão Já Foi Planeta parecia cantar uma seleção de hits de seus vários álbuns e anos de experiência, quando na verdade só tem um EP e pouco tempo formada. O quinteto é um dos grandes destaques, promessas e novidades do cenário local e ganhou o respaldo ao se apresentar no maior palco e ainda tendo um público muito forte acompanhando cada palminha e cada refrão, com coros, gritos e até postagem no Snapchat ao vivo. Da novidade para a experiência, o The Automatics tocou no container do Estúdio Petrobrás e mostrou o porque faz parte viva e eterna dentro da história do cenário do Rio Grande do Norte. Direto, forte e com 10 discos nas costas, o quarteto teve a ajuda de reconhecidos músicos do cenário para por seu garage noventista literalmente no meio da rua Chile, onde acontece o festival, e basicamente fechar o acesso de um dos lados do evento para o público conferir, sob chuva, o barulho do quarteto. São verdadeiros sobreviventes do rock potiguar, comandados pelo mestre Alexandre Alves. Sem esquecer das locais Joseph Little Drop e a AK-47 que abriram os palcos DoSol e Petrobrás, respectivamente, no domingo com já bom público próprio e energia aliada a diversão.
Cariocas e com larga experiência, Medulla e El Efecto pareciam opostos dentro de sua escalação no lineup. O público era pequeno e foi aumentando conforme a mistura esquizofrênica do El Efecto ia passando no curto setlist de 5 músicas, indo do funk ao metal em questão de um verso, num show com flámula sobre passe livre e letras críticas a diversos casos absurdos no Brasil, fazendo um verdadeiro protesto ao vivo que caminhou por todos os tipos de público, do regional ao jazz, com muita ironia. Já o Medulla mostrou peso e força no dia mais calmo do festival, com palavras de ordem e fervura descomunal, ainda com uma formação mutante após a saída de diversos integrantes. Membros do Water Rats e Maguerbes participaram do show, tendo inclusive a mesma troca acontecendo nos shows das bandas no festival. As três, além da Mundo Alto, estão em turnê junto com o Festival DoSol e o selo Heart Bleed Blues pelo Nordeste do país.
Filhos do meio do lineup, a Skabong fez o ska mais rock já visto. Enquanto seu trompetista usava pochete, o vocalista mostrou uma barbicha de cerca de 30cm de comprimento, com um clássico All Star nos pés, segurando o microfone como um cantor de Hardcore e cantando como um Nick Cave compondo ao lado de Bradley Nowell (Sublime), sendo assim uma das melhores surpresas do evento tanto musicalmente como visualmente. Na lista das boas novas, a Soulvenir, quinteto de São Luiz que mesmo atrapalhado por um som estourado, fizeram um ‘Dub Side of The Moon’ com tantas referencias que fizeram a banda ter, na verdade, um som andrógino. Quem viu, conferiu uma verdadeira viagem musical que ia do caos a calmaria, com ótimos refrões e ainda uma canção inédita que deverá estar presente no segundo álbum da banda, previsto para 2016.
Carne Doce e Rico Dalassam ficaram no ‘quase’. Ambos tiveram problemas de som e demoraram para emplacar, conquistando a atenção do público com o decorrer da apresentação. Salma, vocalista da banda goiana, teve que abrir mão de vários pedais de efeitos que usa na voz por conta da regulagem do som e do técnico que desconhecia o trabalho da banda, saindo do palco ainda com o pé queimado após esbarrar na máquina de fumaça. Já Rico teve problemas com o horário de seu show, com o público diferente e não tão ligado no rap e com o DJ local não familiarizado com seu som, deixando faltar a liga entre o MC e o DJ. O som novamente não ajudou e a voz não tinha grande definição, impedindo de entender direito a mensagem forte de suas letras potentes. A partir da terceira música tudo começou a se encaixar e logo Rico já começava a dar seu sorriso pela aprovação ao lado do público.
O encerramento da noite mais cheia e esgotada, o sábado, ficou com cara de festona. Já reconhecido e sempre com show muito seguro, a DuSouto segurou o público e, ainda em cima do palco, abriu o show do Figueroas tocando juntos “Fofinha”, da sensação de Maceió. Ali mesmo, emendado um show no outro, começou a Lambada Quente para cerca de mil pessoas no Palco Cabo Telecom, montado no Galpão 29. A dança ‘sensual’, frenética, as invasões de palco, repetições de músicas, uma faixa inédita, uma versão, comentários engraçados e tudo que um bom show, se não uma das melhores bandas em turnê no pais, tem. Figueroas nasceu a pouco e já é grande demais para alguém pensar em perder.
O show da dupla Givly Simons e Dinho Zampier estava programado para às 3 da manhã, mas começou já com o sol nascendo, num atraso em cascata de todos os palcos e que bagunçou fortemente a programação do evento, pela primeira vez desde a criação do formato atual (fechar a rua, usar todas as casas de show do espaço com diversos palcos e bandas começando e outras acabando, 30min de show e cerca de 15 de passagem). A bagunça fez muita gente perder algum show interessante (Aláfia foi comido pelo Thiago Pethit) ou conseguir ver outro não esperado (O Mahmed, que seria no meio do Móveis, só foi começar horas depois). O Tagore enfrentou longo engarrafamento na saíde de Recife, se atrasou e teve seu show remarcado para uma da manhã, sem muito aviso além do próprio músico. Quem esperava encontrar O Terno se entristeceu ao saber que a banda nem foi a Natal: o vocalista Tim Bernades está com caxumba, cancelou vários shows e a banda nem teve substituto.
Tiveram também artistas que bancaram rockstars e deram trabalho, banda que esqueceu o músico no hotel ou no festival, gente bêbada, gente cansada, gente se divertindo e gente louca. Furtos foram apontados pelos presentes. Segundo a organização do festival “fomos relatados do caso durante o evento, pedimos reforço policial, colocamos seguranças a paisana para identificar furtos e ainda conseguimos pegar três pessoas que infelizmente já não estavam os objetos furtados e não puderam ser presas em flagrante (mas pelo menos tiramos de dentro do festival e entregamos as autoridades)”, explica Anderson Foca.
Foi rock. E rock é inconsequente, é problemático, mas no fim passa sua mensagem com um grande esporro em nossos ouvidos. E foram tantas mensagens nesses três dias que é mais fácil resumir tudo em uma palavra: ROCK!
Fotos por Rafael Passos.
Muito obrigado, Marcos Xi! Parabéns pela ótima cobertura!
HáBraços!