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O balanço do Rafael Morais

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Tudo tem um começo e com o Rafael Morais não foi diferente. O que chama a atenção é como o destino pode interferir em qualquer início, seja na música, arte, etc. Faz tempo, lá em 2010, na cidadezinha de Jandaia do Sul, no Paraná, que aconteceu por acaso o primeiro encontro dos músicos Rafael Morais, André Lauer, e Gabriel Moraes. Na época Rafael tocava sozinho e justamente naquele dia iria abrir o show da banda em que André e Gabriel faziam parte. Naquela noite o destino foi generoso com esse trio soa na frequência do balanço. De lá para cá muita coisa aconteceu com os rapazes: experimentações musicais que resultaram na parceria com alguns amigos – Thalisson Picinato, Matheus Vilela e Rafael Tressa – que acabaram saindo do projeto por demandas pessoais e profissionais. O que restou? O Rafael Morais Trio com o bonito EP Ao Vivo no Mojo – que contém sete faixas – e um disco de estreia a caminho para esse ano. O 2015 anda cheio de groove, chega mais:

É perceptível muitas influências no som de vocês, uma mistura de MPB, forró, maracatu, afrobeat e baião. É possível definir a sonoridade do Rafael Morais Trio?

Não sou muito a fim de classificar coisas, porque acredito que isso acaba criando ‘cisões’ e inibe, de certa forma, a experimentação e consequentemente novas possibilidades sonoras, mas acho que se for para dar uma definição ao som, seria: brasileiro. Porque o Brasil é isso, aqui se misturou tudo, são inúmeras ‘experimentalidades’, mistura de ritmos e formas de pensar do mundo todo, além de ser, para mim, a mais complexa experiência sociológica da história moderna, o que possibilita ambientes muito peculiares e complexos para o desenvolvimento humano e artístico.

O Mojo é o estúdio de vocês e também o local onde EP foi gravado. Acredito que isso facilitou na hora da gravação, desde a parte financeira até a questão do tempo de produção. Como foi a ocasião de montar o próprio estúdio da banda?

Até 2010 o Gabriel tinha uma sala de gravação nos fundos da igreja em que o pai dele era pastor, quando nos conhecemos, no fim de 2010, ele já havia devolvido a sala e começamos a trabalhar em pré produções de algumas músicas que eu já tinha na época na sala da casa onde ele morava. Fizemos alguns ensaios por lá e gravações também, mas acima de tudo começamos a conviver mais cotidianamente. Então, em 2011 a família do Gabriel vendeu essa casa e comprou outro terreno na cidade, onde iriam construir outra moradia, o pai dele ofereceu um espaço nesse terreno para a construção do estúdio, já que nossos esforços vinham nos direcionando cada vez mais à nossa produção musical. O terreno era um declive, então decidiram tirar a terra da parte dos fundos e fazer o estúdio em baixo da casa. O Gabriel já estudava acústica e desenhou o projeto do estúdio todinho, desde a planta ao tratamento acústico. O pai dele, mestre Eli Moraes, nos deu uma força com a parte mais pesada da construção, concreto, lage e mão de obra com os pedreiros que já trabalhariam na casa. Nós assumimos todo o acabamento e tratamento acústico, não tinha dinheiro para pagar a mão de obra, então compramos ferramentas, madeiras, os materiais necessários e botamos a mão na massa. Levamos praticamente um ano trabalhando de marceneiro para construir nosso cafofo, geralmente das 8h às 23h (risos), mas valeu e o estúdio tá lindão. É nosso laboratório diário, onde estamos passando por um processo de desenvolvimento muito interessante, que não tem preço.

O processo de gravação do EP foi mais divertido por ser no estúdio de vocês?

Foi sim, é muito mais fácil ficar a vontade quando se está em casa, sem aquela preocupação com o tempo do estúdio que tá correndo e gastando dinheiro, por exemplo. Porém, por outro lado nos coloca em mãos outras responsabilidades, o Gabriel, por exemplo, foi o engenheiro de áudio e o baixista nas gravações, é um empenho desenvolver duas funções que necessitam de atenções específicas e tem alto nível de importância no conjunto da obra, também tem o policiamento para que sejamos efetivos no desenvolvimento das produções, tendo sensibilidade suficiente para não atropelar nossas personalidades e profundidade artística. São responsabilidades naturais de quem quer se desenvolver e temos assumido isso.

Qual a importância de ter um EP gravado para o trio?

Bom, um EP é o registro da obra, é a plataforma pra difundir a arte que fazemos, uma forma de chegarmos até as pessoas. O EP também foi um caminho até a formatação do disco que acabamos de começar a produzir, que será nosso álbum de estreia com as experiências sonoras que estamos vivendo agora. Com o EP deu para sentir um pouco do feedback das pessoas que acompanham nosso trabalho, o que serviu de confirmação para os caminhos que começamos a abrir com ele.

Vocês geralmente tocam em trio nos shows, mas o EP foi gravado com uma banda maior e junto mais instrumentos: teclado, trombone, saxofone e trompete. Essa questão atrapalha instrumentalmente nos shows?

Essa é uma boa questão! No processo de produção do EP nós inserimos esses elementos, convidamos nosso bro Rafael Montorfano, o Chicão, do Estúdio Lamparina de São Paulo. Ele veio para cá, escreveu os arranjos para um nipe de metais e gravou os teclados. Então, a banda da gravação tinha sete pessoas, em julho de 2014 rolou o lançamento do EP numa festa de uma edição da Circular Pocket – uma revista de bolso independente sobre cultura local – com a revista conseguimos viabilizar um show com a banda completa, onde tocamos o EP na íntegra e mais algumas músicas do nosso repertório próprio acompanhadas de versões. Depois só rolou outro show em outubro na programação do Geléia Jam Festival, onde dividimos o palco com o Montanas Trio. Logo após não tocamos mais juntos, o que tem nos levado a repensar a ideia do formato. Percebemos que para o mercado local, e ainda para nossa circulação tanto no Brasil como fora daqui, acaba sendo muito difícil sobreviver com uma equipe tão grande, então, já estamos nos apropriando de outros elementos e pensando a composição estética para ser executada em trio daqui para frente nos shows, o que também acaba se configurando em mais liberdade pra nós três na utilização de novas tecnologias.

Agora já com o EP lançado e um disco a caminho vocês pensam na articulação de shows fora do Paraná?

Sim. Queremos tocar em São Paulo e Rio de Janeiro, mas ainda não pintou nada. Estamos planejando em parceria com um amigo produtor cultural de João Pessoa, Gabriel Sant’anna, uma circulação pelo nordeste no segundo semestre desse ano, a ideia está no ar, estamos conversando para ver o que pode rolar.

Diversas bandas que almejam ter um reconhecimento mais amplo acabam se mudando para São Paulo. Vocês sentem dificuldade por permanecerem no interior do Paraná?

São Paulo é uma grande vitrine, mas nem só de vitrine vive o homem. A vida de artista no interior não é algo fácil, a relação das pessoas com o que a gente produz ainda é algo em formação e bastante instável, mas é justamente nesse problema que debruçamos sobre as grandes possibilidades que existem por aqui para a música independente. Maringá possui quase 400 mil habitantes, se contabilizar a região metropolitana, que representa grande parte da mão de obra e do fluxo de consumo da cidade e da região, são cerca de 700 mil pessoas. Estamos coladinhos em Londrina que tem se tornado outro pólo de produção cultural no Paraná. Há anos a maior parte do circuito de entretenimento por aqui é monopolizada pelo mercado de cultura de massa nacional e o mercado de arte é sustentado de forma independente por artistas que consideram aqui seu lugar e dialogam com outras regiões. O mercado cultural mundial há muito tempo já vem passando por um processo de ‘pulverização’ da produção, onde cada vez mais têm surgido cenas locais e nichos de mercado específicos. É somente a partir do surgimento e fortalecimento dessas cenas locais que se pode expandir o circuito independente nacional, aumentando assim cada vez mais o consumo de produtos culturais que estão fora do mainstream, garantindo oportunidade de trabalho para quem encara o fazer artístico com responsabilidade, profissionalismo e principalmente como meio de vida.

Muito além desses aspectos mercadológicos pessoalmente também me deparo com a função social que acaba tendo o nosso trabalho, querendo ou não a arte pode construir representações simbólicas ligadas à identidade, formas de vidas, podendo influenciar em como as pessoas que se relacionam com ela encaram sua realidade. Então, acreditamos que dá para viver aqui, sem aquele frenesi da selva de pedras, em meio às nossas arvores e terra vermelha e conseguir construir um caminho viável para o desenvolvimento do nosso trabalho. A internet nos permite distribuir música para o mundo todo, só temos que ter a liberdade e oportunidade de nos desenvolver o suficiente para produzir boa música, e também, daqui a São Paulo são 50 minutinhos de vôo, o mundo hoje tá pequenininho, pô.

Existe um limite em tentar viver de música no Brasil?

Acho que essa questão de limite não consta (risos). Viver de qualquer coisa no Brasil é difícil se você se apega a coisas erradas, existem muitas necessidades que são desnecessárias, temos que ter a consciência de que tudo que temos é hoje, independente do que possamos planejar e projetar, não nos resta mais nada além do agora. Me sinto vivo fazendo música, me sinto vivo vivendo momentos felizes com as pessoas através da minha música, se eu puder me agasalhar, me abrigar, matar minha sede e minha fome e reconhecer qualquer outro ser ao meu redor como uma forma de vida autônoma que tem suas próprias relações com a realidade e ser igualmente reconhecido, estou gozando de plena e feliz existência.

O que podemos esperar do Rafael Morais Trio em 2015?

2015 será um bom ano! No fim do ano passado nós aprovamos um projeto num edital municipal que rolou aqui – o Prêmio Aniceto Matti – através do prêmio iniciamos o processo de produção do nosso disco de estreia, já estamos trabalhando na definição do repertório final para dar continuidade na produção. O projeto também viabilizará cinco shows de lançamento gratuitos em locais públicos de Maringá, que se qualifica como uma oportunidade interessante para o fortalecimento da cena local em relação público X produção, garantindo acesso irrestrito à população ao produto cultural resultante da nossa pesquisa, nossa música, que é daqui, e também como experimentação dos elementos que usaremos para execução do show.

Vislumbramos também estudar caminhos para viabilizar a distribuição desse show fora do país, há tempos se é sabido que a cultura brasileira tem um alto valor simbólico nos circuitos de arte internacional e esse valor simbólico ainda não é revertido em barreiras econômicas mais consistentes e diretas com a cadeia produtiva nacional independente. Hoje se desenvolvem pesquisas de otimização nesses processos de localização de oportunidades para bandas brasileiras nos circuitos internacionais de música, o caminho é estudar, e estamos a fim de seguir por essa trilha que vemos daqui, o comecinho da estrada. Esperamos produzir um bom disco e um bom show esse ano e trocar muita energia com as pessoas que aceitarem se mexer com nosso som.

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Nayara Pessini é colaboradora do RockinPress e tem paixão por vitrolas. Já passou por assessorias e agências ao mesmo tempo em que começou a se aventurar na área de música.

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