Entrevista: As Nuvens de Rapha Moraes
foto Rodrigo Torrezan – Arte Juliano Domingues
O interessante de uma boa conversa de bar é a liberdade e a sinceridade que as palavras são ditas. É quase ingênuo e inocente a forma que muitos artistas se apresentam em frente a um jornalista numa mesa de bar. Geralmente, este encontro só acontece na base da confiança, e é exatamente o momento onde o jornalista deixa passar as melhores pautas, fofocas inéditas e as grandes matérias possíveis. Isto pode se tornar ainda mais complicado se a pessoa que está do outro lado da mesa é o falador Rapha Moraes, líder da banda curitibana Nuvens.
Com cinco anos de estrada e o recém lançado segundo disco, Fome de Vida, a Nuvens vem pairando por fones de ouvidos espertos e sobrevoando pessoas que gostam de um conteúdo inteligente em músicas que, em maioria, soam como um pop-alternativo gostoso e bem arranjado. Esta entrevista não foi criada para ser o que é e foi retirada do primeiro contato entre um curioso questionador com um músico animado com sua recente empreitada. Poucas edições, perguntas e respostas 100% improvisadas do momento e bastante sinceridade. Este é Rapha Moraes, da Nuvens.
O nome Nuvens reflete em quê no som da banda?
Acho que a liberdade… de não estarmos presos a um rótulo ou objetivo fechado.
Está ligado a nos permitirmos mudar, assim como elas, de acordo com o vento do momento, afinal, a arte não tem sentido se não é aquela que representa o momento que o artista está vivendo, né? Tem que ser pra valer, antes de tudo, pro artista. Porque grana, essas coisas, pintam ou não, agora o tesão e o prazer de fazer é fundamental
E isto está diretamente ligado ao nome do álbum, Fome de Vida?
Está. Por que o álbum fala desse segundo, desse instante que pode ser eternizado. Como diz a primeira frase da música “Entre o Segundo e a Eternidade”: ‘Hoje serei eternamente hoje, serei eternamente eu’. É um instante que pode valer uma vida.
E num mundo em que a gente sempre se preocupa com o olhar externo, o que dificulta muito, seja no dia a dia ou na arte assumir a sua natureza do momento e tirar o melhor dela passa a ser um prazer e um valorizar a existência enorme, porque “Nem tudo que é caos é mal nem o que é errado é ruim”.
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Clipe de “A Felicidade Mora em uma Encruzilhada”
Como compositor as músicas estão diretamente ligadas ao seu pensamento e sua vida atual. Fome de Tudo seria então, um diário seu com trilha sonora?
Começou assim, na verdade: eu compus umas 3 músicas que retratavam muito o meu momento e eu percebi que elas tinham algum em comum que unia elas que é essa “Fome de Vida”, essa entrega à vida, ao que não temos controle e que dá beleza as coisas. Aí paramos, juntos, a banda toda pra definir o conceito do álbum e que caminho seguir. Algumas canções continuaram surgindo espontaneamente e outras surgiram da bagagem de pesquisa. Li 3 livros na época que deram conteúdo pra várias das músicas,
que são “O poder do mito”, de Joseph Campbell, “A alma Imoral”, de Nilton Bonder, e “O lobo da estepe”, de Herman Hesse. São livros que tem muita sintonia. Falam, de certa forma, dessa tensão entre alma e corpo, e que é através dela que a vida se dá.
A idéia de que não somos só o lobo ou o homem, mas que somos muito mais que isso é nos permitir ser sem medo, viver e não sobreviver. Tem uma idéia de um livro – que agora não lembro qual é – que diz mais ou menos assim: “um coração trancafiado é como um homem que faz uma viagem de navio pelo mundo inteiro com todas as suas belezas, mas trancado no porão, sem ver nada”. Acho que o disco é um pouco disso… dessa busca pra sair do porão, mas sem medo de assumir o que somos nos momentos em que vivemos.
Incomoda quando alguém rotula de pop?
Não, porque não temos problemas com o pop. Tem aquele pop descartável baseado nas fórmulas básicas sem preocupações estéticas ou de letra e tem o pop que nasce independente do resultado comercial mas que é pop por natureza, na canção, melodia. Tem o lado bom que chega nas pessoas e acho que nós nos encontramos num caminho do meio aí. Tem bastante pop no nosso som, mas ao mesmo tempo não dá pra dizer que é um som óbvio. É super reflexivo e representa nosso momento. Quem sabe num 3º disco, podemos ver uma evolução desse caminho mais pro rock? Ou algo bem diferente? Quem sabe é a vida e o tempo.
Mas vocês acabaram de lançar esse disco, pensar em outro já sem trabalhar 100% nesse é meio estranho…
Sim, mas nem pensamos em outro.Só citei a idéia de dizer dos momentos mesmo que esse disco é um retrato fiel do momento, é ele que vivemos agora e será durante um bom tempo. Eu acabo me alongando demais com assuntos referentes ao disco. É sempre muito intenso pois as músicas representaram muito meu momento, mudanças, transformações, idéias novas, riscos. Paixões, etc. Foi uma entrega grande nas canções. E ah, tem muito de rock nele também! Muitos riffs, solos, momentos instrumentais que lembram o rock progressivo e foi algo que a gente se permitiu: músicas longas.
Ao que posso ver, pela sua empolgação, Fome de Vida é seu filho. O xodó que fica no meio da prateleira, em cima da televisão…
É… mais ou menos. A gente sempre acha que dá pra fazer melhor. Nesse instante não consigo ouvir muito ele, mas a gente tirou o nosso melhor e eu acredito muito na proposta, na idéia. Estamos felizes como banda. Fizemos exatamente o que queríamos, junto com o Alvaro Alencar que produziu comigo o disco. Mas é aquela velha e conhecida história: você acaba de fazer um disco e com isso vem idéias novas, coisas que faria assim ou assado… porque é um trampo que modifica muito o ser humano ali também. Então a gente nunca é o mesmo que aquele que começou o processo do disco.
Curiosidade: Peguei uma semana de férias e estava na praia. Botaram o disco e eu sem saber ouvi e curti bastante! Depois de um tempo sem ouvir… esses momentos são bons. É bom estar feliz com um trabalho concluído. E principalmente, a banda estar feliz. Foi um processo coletivo muito legal, que inclui lidar com as diferenças e convergências. Crescimento humano e artístico enormes.
Foto por Marcelo Elias. Agência de notícia Gazeta do Povo
Alias, a banda já tá no segundo disco e já tem uma certa estrada. Essa grande exposição da cena curitibana e todas as novidades que tem aparecido nela ajudam/atrapalham em que a vida da Nuvens?
Acho que só ajudam. Curitiba está num bom momento. Muita gente talentosa discutindo arte e cultura, lutando pelos direitos, criando e formando público. É bom fazer parte disso. Temos muitos amigos aqui e é bom ser fã de um amigo. Além disso, quando se tem uma troca de idéias, é construtivo, sempre muito bom.
Mas você acha que o espaço para shows, as casa, os shows covers e as baladas tem permitido as bandas trabalharem e formarem seu público como deveria formar?
Eu acho que em todo lugar essa é uma das grandes lutas. O cover nunca vai morrer, assim como as casas desse segmento. Eu, falando de Curitiba, tenho uma visão otimista. Vejo que tudo vem acontecendo, desde internet, qualidade de estrutura de algumas casas, gente a fim de fazer… isso tudo tem ajudado e eu vejo o público daqui evoluindo junto com as bandas. É toda uma história né? Desde Blindagem e tantos outros artistas que tem sua parte pra chegar nesse momento, mas eu vejo sim um público interessado. O ponto é que é tudo muito segmentado. Quando eu falo isso, falo de um segmento, não da grande massa. Essa, pra chegar nela são outros quinhentos. Mas falando da Nuvens, que tenho conhecimento de causa, o nosso público tem crescido e se ampliado constantemente. Gente nova, interessada e super a fim. A internet é uma grande aliada nesse processo. Lançamos o disco no Paiol. Lotamos 2 sessões de público de verdade. Gente que conheceu a banda e foi atrás. Pra mim, é claro que é uma evolução da banda,. mas também muito do público – que está mudando rapidamente.
Você acha que a Nuvens não é mais banda para tocar, por exemplo, no Wonka ou no Peppers, por exemplo?
Não vejo assim, mesmo. Acho que cada caso é um caso. Estamos conversando sempre com a galera e abertos as coisas. Não vejo esses bares que você citou como menores do que outros, pelo contrário. São fundamentais pra música da cidade. Lá que muitas bandas tocam, inclusive a gente. São eles que sustentam todo o esquema da cidade, como um todo. Tem que juntar essas casas, teatros e shows na rua.
As coisas andam prolíficas demais por Curitiba. Você poderia apontar agora qual será a próxima banda curitibana que as pessoas devem ficar de olho?
Posso, apesar de ser redundante pro RockinPress, mas pra mim a banda curitibana que mais escuto e curto no momento é o Humanish. Um puta disco e um puta show.