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No alto do sucesso, o DJ Cremoso era um ser mitológico produzido pela urgência da internet e ânsia por novidades divertidas. Ninguém sabia quem era, de onde era e o por que fazia estas loucuras, juntando públicos tão diferentes e apresentando a periferia do Pará para ouvintes que dificilmente teriam este contato. A verdade é que o DJ Cremoso nunca foi uma pessoa, e sim um grupo de amigos de idades variadas juntando diversão e curiosidade a um estudo social que envolve marketing da música na internet.

Com seus remixes ajudou a popularizar tanto o tecnobrega quanto o cenário de DJs de mashup, mesmo que não se considere nem DJ e que não produza mashups. Dentro dos cinco anos desde o aparecimento do fenômeno, mais de 30 versões foram publicadas e, assim como afirmou em uma entrevista em 2010,  um dia iria sumir repentinamente. Três anos depois desse desaparecimento o produtor de localização desconhecida ensaia uma volta. Mas para isso precisa vencer o obstáculo filosófico e, ironicamente, um físico: há outro DJ Cremoso na pista, se passando pelo próprio.

Como tecnicamente o Cremoso não existe e sempre foi clara a sua posição em não se apresentar em djset, a dúvida passa a ser validade do artista. Segundo o advogado paraense André Leão, “nossa lei do direito autoral determina que o autor é aquele que também remixa, até por que ele colocou uma arte sobre a arte. Isso tem jurisprudência e é muito extenso. O fato é que o DJ Cremoso poderia até ter rendimento pelo ECAD se ele se cadastrasse e cadastrasse os fonogramas dele. Apesar de ele não ter pedido autorização pra realizar os remixes, ele não deixa de ser um artista. Portanto, além dele existir legal e artisticamente,  o fato de uma pessoa se passar pelo original configura falsidade de identidade, previsto no art. 307 do Código Penal”.

Evento DJ Cremoso Falso com Figueroas
Evento com DJ Cremoso Falso

Duas apresentações do ‘falso Dj Cremoso’ aconteceram no Saloon 79, casa de shows e bar localizado em Botafogo, no Rio de Janeiro. Em nota, a casa afirma que “se era ou não mesmo o próprio DJ Cremoso, não fazíamos a menor ideia, pois a produção não foi da casa“. O produtor do evento, que teve a dupla alagoana Figueroas como destaque, Pedro Montenegro se diz mais surpreso ainda: “Pra mim é até um alívio saber disso, de verdade. Marquei o show do Figueroas no Saloon e quem me procurou foi o Luciano Vianna (DJ Dom LV), da Festa Ploc, dizendo que o Cremoso trabalha com ele e coisa e tal, e que estava pilhado pra fazer ao vivo. Desconfiei desde o começo, devido ao histórico do Cremoso de não se apresentar, mas tendo a acreditar nas pessoas, topei”, revela.

Luciano Vianna, por outro lado, afirma que foi procurado por um produtor chamado Sidney Filho, que trabalha em sua antiga empresa, a Music Buzz, afirmando ser o DJ Cremoso e pedindo uma força para retomar a carreira. “Ele veio me procurar com todas as musicas do Cremoso, com algumas ate inéditas. Como é um jornalista e produtor dos mais prestigiados de Belém, super antenado com a cena local e se dizendo ser o Cremoso, não havia porque desconfiar dele, tanto que já estávamos com uma turnê praticamente fechada para ele em 2016 pela Europa e EUA, além de estarmos terminando a masterização do primeiro disco do DJ Cremoso. Agora vamos deixar tudo em hold até esse imbróglio ser resolvido”, diz Vianna

“Dois dias antes da segunda apresentação no Saloon ele [‘o falso Cremoso’] se apresentou no Prêmio Gula, sem máscara, o que me deixou mais tranquilo quanto a autenticidade do mesmo. Mas agora, ao constatar a real, fico bem chateado e aliviado ao mesmo tempo por sanar essa pulga. Em momento algum tive a intenção de enganar, só fazer uma noite divertida. Saber que não foi com o próprio e ter usado o nome dele na divulgação me deixa bem desconfortável”, comenta Pedro Montenegro antes de pedir o email do original para se desculpar pessoalmente. “Ainda o encontrei umas duas vezes depois do Saloon. O Luciano Vianna disse que eles iriam montar o “Cremoso SoundSystem” (acho que era esse o nome), com o Cremoso, o Dom LV (Luciano) e mais um que esqueci. Disse ainda que o Cremoso está pra fazer uma coletânea “TecnoPloc”, só com músicas gringas dos anos 80 em versões cremosas… Esses papos vão te comprando, sabe? Você pensa “po, então a parada é séria mesmo””, completa, decepcionado.

A verdade é que o verdadeiro DJ Cremoso está se divertindo com a história: “Pessoal que tá tocando nas festas como DJ Cremoso: Tudo bem, continuem. Pessoal que vai nessas festas pra me ver: Não sou eu, ok?”, avisa em sua conta oficial no Twitter logo após responder nossa entrevista.

Ainda que o grupo que mantém o DJ Cremoso vivo prefira o anonimato, o importante está na música que produz despretensiosamente para ouvidos desacostumados com o som da rua. Interessante notar que o projeto e sua repercussão não morreram mesmo que já se encaminhem para seis anos de lançado, além de não ficarem datados. Ao que parece, essa maionese do brega não tem data de validade.

Entrevista – DJ Cremoso ‘original’

Você acabou virando uma espécie de mito no mundo independente, virando até letra de banda (Aparelhagem de Apartamento, do trio paraense Molho Negro). O que acha disso?
É uma coisa bem doida isso, mas que ao mesmo tempo acaba se tornando banal. Todo dia aparece um mito novo, uns duram mais, outros menos. Fico feliz de termos conquistado isso através dos remixes e não por causa de uma videocassetada ou de um comentário mal interpretado, como tem acontecido com tanta gente.

O fato de você ser uma pessoa normal que começou a brincar e deu certo pode incomodar os ‘DJs de verdade’? Você se considera um DJ?
Não me considero um DJ. Me considero mais um que sentou no computador, aprendeu a mexer num programa e deu a cagada de fazer um negócio que um monte de gente já poderia ter feito, mas não fez.

Suas versões foram excluídas do Soundcloud. Você já enfrentou algum problema de direito autoral?
O Soundcloud tá com essa frescura agora de identificar música com copyright e deletar. Mas nem foi esse o caso. O negócio é que temos uma conta free no Soundcloud e os minutos de upload são limitados. Aí chegou uma hora que eu tinha que tirar um remix de lá pra poder subir um novo. Acabei fazendo umas experiências de deixar alguns e tirar outros para analisar os resultados disso.

Em uma entrevista para o Lucio K (leia aqui) você disse que jamais iria se apresentar ao vivo, mas isso tem ocorrido. Há relatos em Pernambuco (veja uma foto) e no Rio, com fotos, ao lado do Figueroas (resenha do primeiro no La Cumbuca). Porque mudou de ideia e, mais precisamente, como podemos saber que é você mesmo?
Eu jamais me apresentei ao vivo. Minha inbox vive cheia de mensagem de gente dizendo que estão usando o meu nome. Teve essa parada em Pernambuco, que foi assim: Os caras da festa me chamaram pra tocar, eu neguei mas mandei um set mixado. Aí eles botaram um boneco com um capacete de moto no meu lugar e tocaram a mixtape que mandei. Quanto a esses caras do Rio, é pura e simplesmente farsa. Falsidade ideológica e por aí vai. Imagino que outros façam o mesmo pelo Brasil, mas eu nem me dou o trabalho de ir atrás disso. Não faço questão nenhuma que se apresentem tocando minhas músicas, mas jamais será o Dj Cremoso mesmo, aquele que produz os remixes e que tá no Twitter. Aliás, se um dia eu mudar de ideia, todos saberão pelo Twitter e poderão confirmar pelo email.

Em uma era onde personagens como Dilma Bolada e Raposinha Sapeca trazem reconhecimento para seus autores, você acha que é realmente necessário se manter escondido? Porque faz isso ainda?
Cara, é tipo uma bola de neve. Cada dia a mais que eu passo escondido faz com que a merda seja muito maior se eventualmente eu resolver revelar a identidade. Vá por mim. Melhor deixar como está.

Você passou um bom tempo sumido e do nada, este ano, voltou. O que aconteceu neste meio tempo, o que mudou para você e porque decidiu voltar do nada?
Eu não sei se voltamos ainda. A galera do projeto original fez um grupo no Whatsapp e começou um movimento por uma volta. A gente agora tá tentando resolver questões filosóficas, puramente. Tipo: a gente remixava majoritariamente clássicos do rock amplamente conhecidos. Talvez isso tenha se esgotado, e pensamos em partir pra fazer coisas mais atuais. Só que ninguém tem saco pra ouvir Taylor Swift, Rihanna ou Ed Sheeran. A gente se juntou dia desses e ninguém sabia dizer qual era a música mais nova de cada um desses artistas. Nem qual a música de maior sucesso deles. Tem cara com mais de 50 anos na formação original do projeto que nem sabia que esses artistas novos existem.

Ainda na entrevista com o Lucio K, você disse que o DJ Cremoso era um experimento. Que experimento é/foi esse? Já tem resultados para compartilhar?
O experimento era, basicamente, criar o mito e monitorar as redes sociais, acessos, downloads, engajamento, essas coisas. A gente aprendeu muito. Mas se manter em segredo e não aparecer ao vivo ainda é uma barreira que torna o lado virtual insustentável e injustificável.

Com a popularização de festas de mashup como a Bootie e larga comercialização do cenário ‘povão’ (de Gaby Amarantus a Banda Uó) pós o seu sucesso, você acha que tem parte na popularização em todo o território nacional do gênero?
Acho que não. Tive a oportunidade de ir a festas de tecnobrega autênticas, e lá ninguém jamais sabia quem era DJ Cremoso. Remixar música pop e rock simplesmente não faz sentido pra o povão, uma vez que eles não têm a referência da música original, e consequentemente não entendem o que aconteceu no remix. Uma vez eu conversei com umas pessoas da Gang do Eletro, sem eles nem imaginarem que eu era do projeto do Dj Cremoso, e entendi melhor que, além do ritmo, o tecnobrega se vale de letras com métricas e temas muito próprios, ou então de versões que traduzem hits pop para português, mas com letras que falam diretamente pra aquele público. Isso não acontece nos remixes do Dj Cremoso.

O que você normalmente ouve e quem você indicaria ouvir atualmente no cenário ‘povão’ brasileiro?
Ah, cada um de nós ouve umas paradas diferentes. A única coisa que temos em comum é que a gente troca música esculhambada um com o outro. De tecnobrega ao arrocha, passando pelo funk. Quanto pior, melhor. Coisas que você não acredita que foram concebidas e muito menos que alguma festa ou rádio toque aquilo. Mas olhando assim pro gosto particular de cada um, tem de tudo. Posso responder por mim: tenho ouvido essa cacetada de tracks que o Aphex Twin soltou na internet e aquelas tracks inacabadas do Flying Lotus. E DFA 1979 sempre.

Por fim, quem é o Dj Cremoso?
Nem a gente sabe mais quem é o Dj Cremoso. Só podemos garantir que não é nenhum desses que estão tocando pelo Brasil afora.

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Músico multi-instrumentista, DJ, viajante, criador e editor-chefe do site RockinPress, colunista e curador convidado do Showlivre, ex-colunista do portal de vendas online Submarino e faz/fez matérias especiais para vários grandes meios culturais brasileiros, incluindo NME, SWU, Noize, Scream & Yell, youPIX e os maiores blogs musicais do país. É especializado em profissionalização de artistas independentes e divulgação de material através da agência Cultiva, sendo inclusive debatedor em mesas técnicas sobre o assunto na Universidade Federal Fluminense (RJ) e no Festival Transborda (MG).

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