Cícero @ Cine Glória, Rio de Janeiro-RJ 23/10/2011
As escadas laterais foram disputadas, não mais pelo local bem na frente do palco em que pessoas se apoiavam no chão só para ver mais de frente. Com todo o significado, o brilhante curta Le Ballon Rouge (1956), de Albert Lamorisse, o mesmo que tornou a canção “Two Weeks”, Grizzly Bear, conhecida (vídeo removido pelo criador), deu um brilhante tom inicial ao objetivo central da noite: mostrar os balões vermelhos ao vivo.
Na tela do cinema da Glória, projeções simples brigavam com as luminárias espalhadas no palco. Todos esperavam sem saber muito bem o que ouvir ou o que ver, afinal, o que esperar de um primeiro show de um primeiro cd de uma banda ainda se conhecendo? Não por acaso o sol voltou a aparecer fervoroso no céu carioca justamente neste dia tão esperado.
“Todos ganharam o cd?” “Não entregaram os bottons?” “Cadê o técnico de som?” “Errei a letra de novo, desculpa.” “Cara, eu to MUITO nervoso.” “E foi assim que nasceu o Canções de Apartamento.” Falador, talvez pelo visível nervosismo de quem coloca um filho no mundo, ou pelo curto tempo de duração das 10 canções do álbum e consequentemente do show, Cícero tem pela frente um recomeço de carreira e o reencontro com o palco. É como se tudo fosse novo ali, tanto para ele, para os músicos e até para o público.
Tímido, voz falha, guitarra ruidosa e um violão doce. Cícero não sabia se estava mais incomodado com o nervosismo do show ou com o pedal de voz recém comprado e ainda em fase de experimento. Cada música torna-se um movimento de conhecimento, de encontro com a resposta que ele só viu ocorrer pela internet, o fim das dúvidas de que se todo aquele sentimento criado dentro de um apartamento realmente poderia sair por aí e tocar pessoas aleatórias nas ruas.
O tímido canto da seleta platéia – pouco mais de duzentas pessoas – por vezes era contrariado por jovens mocinhas apaixonadas que arriscavam gritinhos no início das músicas. Enquanto brigava com a afinação, Cícero explicava como nasceu o álbum, brincava com os músicos e deixava-se soltar mais, fazendo o show correr mais tranquilo que o nervosismo inicial – o mesmo que o fez esquecer a letra de algumas músicas e acordes, mas nada que o público não pudesse ajudar.
Algumas canções ganharam novos arranjos e até acompanhamentos inusitados, num movimento de aceitação de influências como em “João e o Pé de Feijão”, que ganhou introdução de “You Don’t Know Me”, de Caetano Veloso, e “Eu Não Tenho um Barco, disse a Árvore”, que foi introduzida por “Videotape”, do Radiohead. Assim como acontece em shows do Móveis Coloniais, Teatro Mágico e Los Hermanos, o público também deu seu show e surpreendeu trazendo balões vermelhos que começaram a pipocar durante “Tempo de Pipa”, em alusão ao clipe da música.
Para alguns foi bem difícil coordenar as palmas e cantar o refrão de “Ponto Cego”, mas foi muito mais gratificante literalmente fazer parte da música em “Laiá Laiá”, canção que encerrou o show. As longas palmas de pé apenas pareciam um agradecimento do público ao sentimento bom que as músicas proporcionaram, que este show nos apresentou e os sorrisos que a noite ganhou.
Daqui pra frente, depois deste show de estréia, o que podemos esperar é um público cada vez mais visceral, participativo e um Cícero mais seguro de mostrar suas Canções de Apartamento. Cícero agora não é mais do AP, mas sim de onde seu show for chamado, chegando até aos ouvidos de quem se dispõe a deixar algumas lágrimas correrem ao ouvir uma boa música ao vivo – como vi vários naquele domingo.