Estrela Leminski. Quando eu vi essa pessoa pela primeira vez, senti uma certa intimidação pelo peso que sua história carrega. Mas a filha de Alice e Paulo logo começou a falar e quebrou qualquer gelo que pudesse haver. É mãe – mesmo daqueles que já possuem outras mães -, é cantora, letrista e a disseminadora do legado de um dos maiores escritores da nossa história e, claro, pai – Paulo Leminski. Ela é rock, é MPB, é literatura, é prato, caixa, bumbo, surdo, tons. É voz. É ouvido. É uma produtora incrível e, agora, traz à tona um disco duplo com composições do seu progenitor em versões mais próximas daquelas que o próprio aprovaria – e com participações incríveis.
“Poesia na Canção é exatamente o que une meu trabalho musical e as canções do meu pai”, conta Estrela. O projeto surgiu porque Paulo compôs muita coisa, levando uma carreira na música tão intensa quanto a literária. Entre os grandes nomes que interpretaram suas palavras estão Caetano e Ney, só para começar. Ele não queria interpretar suas próximas canções. Como boa filha que é, Estrela traz para “Leminskações” faixas inéditas na sua voz. “Tem muita gente que atribui canções dele como se fossem parcerias. Meu intuito com este trabalho é fazer esse recorte para que as pessoas tenham conhecimento e ouçam coisas inéditas”, completa.
No primeiro disco, faixas como “Verdura”, “Luzes”, “Se Houver Céu” e “Mudança de Estação” são letra e música de Paulo. O segundo mostra parcerias que ele fez em vida. Os arranjos trazem referências de coisas que Estrela, melhor que ninguém, sabe que seu pai gostava. Na parte de participações, nomes de peso completam o trabalho – Zélia Duncan, Arnaldo Antunes, Ná Ozzetti, Serena Assumpção e Zeca Baleiro, entre outros. A máster foi finalizada pelo Ray Staff, em Londres, que mixou vários discos do The Clash, Black Sabath e Led Zeppelin. Logo, haverá ainda uma tiragem limitada em vinil.
Estrela Leminski contou mais! Confira!
Sobre o seu trabalho paralelo, o que tem de novidade por aí?
Tenho um trabalho paralelo ao Leminskanções e o meu trabalho autoral (que alguns conhecem como Música de Ruiz), que se chama Trionírico. É um projeto com o Bernardo Bravo (também integrante do FelixBravo) e o Téo Ruiz (meu parceiro também no Música de Ruiz). É um trabalho divertido, com músicas inéditas, formação enxuta (tocamos percussão, violão, ukulele e flauta), focada em vocais e programações eletrônicas. No meio a gente coloca música que a gente curte que não estão na mídia (Mathilda Kovak, Daniel Vianna, Grupo Rumo, Itamar Assumpção) e até hits do youtube.
Vi seu show no SESC Consolação, onde você acabou misturando projetos no palco, incluindo o Leminskações. Que momentos desse espetáculo você destaca?
Tem algo que me marca muito sempre, que é quando eu faço “ímpar ou ímpar”, poema do meu pai que eu musiquei. Me emociono porque vejo muito dele ali, acho que ele curtiria a pegada rock que ela ficou. E me emociono porque ela é daquele momento ali, é uma música que não está no Leminskanções. Preciso deixar claro que ele compôs letra e música e, como eu também sou “cantautora”, sempre sai errado nas divulgações.
Você começou sua vida musical na cozinha, mais precisamente na bateria. Queria que contasse um pouquinho da história sobre ter sido a baixista que te tirou da bateria e levou para os vocais.
Chamei a Natalia para montar esse show de músicas do meu pai em 2009. Ela e a Mariá Portugal já tinham experiência com versões de hits no “TRash pour 4” e eu já curtia os outros trampos delas. Quando saí das minhas bandas (que eu era baterista) e assumi minhas composições, fui jogada para a frente do palco. Ali com a Natalia fui aprendendo a paixão por cantar, por estar dando a cara a tapa. E ainda foi quem me deu o primeiro empurrão pra gravar esse disco, me intimando para gravar as bases que a gente tinha criado para este show no estúdio dela. Ou seja, este disco demorou quatro anos pra ficar pronto.
Você disse que não está musicando poemas do seu pai… Uma vez, conversando, também disse que demorou a se assumir como letrista. Como você enxerga sua relação “profissional” com o trabalho do seu pai? Você acha que, às vezes, as pessoas podem confundir um pouco as coisas?
Pois é, na adolescência com os pais mais legais do universo a minha crise ia ter que ser outra, né? Foi mais essa de querer engavetar tudo o que eu fazia de poesia. Mas foi através das letras de músicas que eu vi que não ia ter jeito: eu ia ter que conciliar a paixão pela música e pela poesia. Algo que foi fundamental também foi me desapegar da expectativa das pessoas. Eu sei que tem gente que sempre vai atribuir todos os louros ao meu pai, ou seja, se eu acerto é porque sou filha dele, e se erro é apesar de ser filha dele. E aí meu acerto nunca é meu.
Mas a minha grande vantagem é que sou mulher, começa por aí. Então, minha bagagem é outra: sou mãe, sou esposa, sou madrasta. Também sou visceral como ele algumas vezes, mas minhas vísceras são de outro tipo.
Se eu não fosse assim, acho teria desistido na primeira dificuldade, pois além de tudo a minha mãe é Alice Ruiz, que tem uma obra absurda e que não para de surpreender. Não é fácil fazer música do lado dela. Aliás, não conheço letrista como ela – ela é monstro, não tem nada que ela faça que seja meia boca. Fui para áreas que eles não foram tanto, como a teoria musical, para o canto, para a poesia como arte de rua. Fui fazer mestrado. Fiz dois de uma vez. Essas coisas me deram uma visão um pouco mais distanciada de tudo isso.
Resumindo: sou teimosa e não tenho pressa nenhuma, estou mais preocupada com a minha obra e a dos meus pais do que com a repercussão delas.
Por isso você teve tanta cautela com seu trabalho?
Eu tenho cautela ainda, porque ainda tem coisas do meu pai essenciais que ficaram fora desse disco duplo. É fogo porque parti do critério dele, de como ele gostaria de ter feito. E somos tão caleidoscópicos que só posso fazer do meu ponto de vista, da minha parcela, que era ali do cotidiano. Era e é porque estou em contato com textos e pensamentos dele sobre cultura o tempo todo. Mas nunca fui tão exigente na minha vida, justamente porque tem coisas que vêm ao mundo ali pela minha versão. Tem coisas que sabemos de memória, não há registro nenhum dele cantando. Enfim, foi a minha forma de retribuir o fato dele ter sido o cara que me jogava o violão no colo e que criava músicas comigo, o cara que me deu o start disso tudo.
Para fechar, gostaria de saber quais trabalhos você tem feito – além do show e novo CD – relacionados ao seu pai.
Estou finalizando o songbook também, com esse recorte do que ele estava presente, com muitos relatos, entrevistas e imagens. Só no songbook entraram 110 músicas, ou seja, daria para fazer mais uns quatro discos. Além disso, a gente cuida da itinerância da exposição Múltiplo Leminski (que já foi pra Curitiba, Foz do Iguaçu, Goiânia, Recife e está indo para Salvador). Estamos cuidando de várias coisas relacionadas à obra dele, montando um instituto, um site e da edição da obra dele no exterior.
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